quarta-feira, 11 de novembro de 2009

«Sou um dinossauro sentimental»

Encontro imediático com Fernando Lopes





Diz que é um monogâmico patológico, que está cada vez mais misógino e incompatibilizado com os telemóveis. Fernando Lopes, a propósito do seu novo filme

Teve uma situação pessoal complicada na vida, mas resolveu não fazer disso um drama. Fez antes uma comédia. Ou talvez nem isso... «É uma comédia amarga», diz Fernando Lopes que resolveu realizar Sorrisos do Destino (estreia-se hoje), depois do seu divórcio de Maria João Seixas. O filme, assumidamente biográfico, foi, diz, a melhor maneira de se salvar e conta a história de um marido (Rui Morrison), de uma mulher (Ana Padrão) e de um seu amante (Milton Lopes), interceptado por um SMS inoportuno. Há uma cena muito bonita construída com jump cuts, em que Ana Padrão vestida de negro, dá estocadas com a raquete contra a parede, com o som dissintonizado da imagem: «É uma cena de autoflagelação», explica o realizador. De resto, as personagens fartam-se de jantar, de andar de carro e de falar consigo mesmas ao espelho, e, ao longo de uma hora e meia vão pingando os nomes, as referências, as músicas, os amigos, os afectos, os lugares, as private jokes de Fernando Lopes: «Acho que um realizador se deve expor. Eu gosto de olhar para a vossa cara, espero que também gostem de olhar para a minha».

VISÃO: O que é que tem este bolero Sabor a Mi de tão especial para si, que o tem posto a tocar em tantos filmes?
FERNANDO LOPES: Pois, o Sabor a Mi tem-me acompanhado... Os boleros constituem uma espécie de segundo argumento do filme e dão-lhe um toque melodramático e quase telenovelístico. Este filme tem cinco boleros, que servem para transmitir estados de alma das personagens.

Este filme está cheio de impressões digitais suas, cinematográficas e pessoais... Quis fazer desta obra a sua geografia sentimental?
Mas isso é que é interessante. Filmar a minha geografia sentimental com as pessoas de quem eu gosto e com aquilo com que vivo à minha volta.

Dá ideia de que lhe apeteceu mais falar através da música e das referências do que de palavras... Sobretudo musicais, vai do Verdi até Wagner, passa pelo Chopin da Maria João Pires...
A minha ex-mulher é que é uma grande melómana e uma grande maníaca do Wagner. Eu não, fico-me pelo jazz, boleros e fados. Ela é uma wagneriana e eu um verdiano...

O que é que isso quer dizer?
Eu sempre disse que o Wagner é um protonazi, para a irritar...

Como no filme...
Como no filme, a mulher pensa que ele diz «Wagner é um porco nazi», mas o marido diz «proto-nazi». Por razões políticas, sempre me senti muito mais fascinado por Verdi que teve um papel fundamental na reunificação de Itália . É também por causa do Verdi [A Força do Destino] que o filme se chama assim. Nunca me esquecerei do avião de Hitler a chegar a Nuremberga ao som da música de Wagner. É uma personagem que me é particularmente antipática. Podia ter muito talento, mas era mesmo um proto-nazi.

E no entanto põe o amante a cantar uma ária de Tristão e Isolda...
É uma brincadeira. Um tipo preto a cantar Tristão e Isolda para chamar um cão... Aos cães assobia-se...

Dá a ideia de que o Rui Morrison se inspirou muito em si para compor a personagem...
Sim, este filme sou eu do princípio ao fim. O Rui é o meu alter ego. A personagem sou eu, mas também aproveitei algumas deixas dele improvisadas... Quando ele mexe o gelo do uísque com o dedo e diz ‘Good Morning, Vietnam’. Ou, quando está na casa de banho e diz «cheat, we’re steel in Saigan»...

O que é um adultério electrónico?
Imagina a quantidade de divórcios que já aconteceram por causa do telemóvel? A comunicação electrónica veio mudar o nosso comportamento sentimental e moral. A infidelidade electrónica é muito mais perversa, porque nem sempre é considerada enquanto tal.

É contra o telemóvel?
Sou. Quando entram amigos meus para jantar, digo agora telemóveis em cima da mesa para podermos jantar e conversar à vontade [nesta parte da conversa o telemóvel da jornalista desata a tocar mas é de imediato silenciado]. As pessoas deixaram de comunicar a olhar olhos nos olhos. Por causa do SMS até a nossa ortografia empobreceu... Antigamente, as declarações de amor era epistolares. Mesmo as mentiras eram bem escritas. Hoje já ninguém sabe escrever. Usam-se aqueles «k» todos. Como é que se faz uma declaração sentimental em 140 caracteres? E mente-se muito, os telemóveis servem para encobrir a verdade, diz-se ‘agora não posso, não tenho rede’ ou ‘a bateria está-se a acabar’... Na rua vêem-se pessoas a falar alto de coisas íntimas, já estive para fazer um documentário sobre isso. Os portugueses não se querem olhar na cara, não gostam de se ver ao espelho, por isso é que não vão ver os filmes portugueses.

Mas o telemóvel é um facilitador de vida...
Só para chamar a polícia e a ambulância quando a pessoa está mal e tem de ir para o hospital. Eu não tenho e-mail nem telemóvel. Quem me quiser apanhar vai ter de continuar a ligar para o telefone fixo.

Como se resiste à tecnologia?
Vou resistindo. As tecnologias de comunicação são um interferência constante na nossa vida. Somos controlados por elas. As pessoas querem um second life. E depois perde-se o telemóvel, perde-se a memória... Não tenho telemóvel, não vou à internet, não tenho e-mail, acho que os blogues são uma masturbação pessoal, por isso não tenho de os aturar.

No seu filme os homens parecem ter vontade de dançar, mas não têm par. Ou dançam com uma esfregona ou um com o outro...
Pois, devo estar a ficar cada vez mais misógino... A relação de amizade entre os homens é mais pudica, não é preciso falar muito. A amizade entre mulheres é muito complicada, eu diria mesmo, que é mais açordeira. As mulheres têm de se confessar todas umas às outras... Há sempre muitas açordas pelo meio.

Ainda se considera ‘um monogâmico patológico’?
Sou e sempre serei um monogâmico, nem consigo conceber a vida de outra maneira. Serei, portanto, um dinossauro sentimental...

Porque é que quase não há cenas de sexo nos seus filmes?
Porque há duas coisas que eu considero sagradas: o cinema e o sexo. Considero o sexo um acto tão sagrado que me parece quase impossível de mostrar. Apenas sugerir...Não farei dessas cenas de sexo à cinema português, para isso mais vale o cinema pornográfico, aí ninguém engana ninguém e penetração é penetração e por aí adiante...Se reparar bem, nos grandes filmes também não há cena de sexo.

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