quinta-feira, 19 de abril de 2007

Abaixo de zero

Moscovo Zero, de Luna

Moscovo Zero é um subproduto passado no subsolo. «Não se pode derrotar o que não existe».

E não só um grau ou dois, como na nossa Serra da Estrela. É mesmo abaixo de zero. É muito abaixo de zero. Mesmo à escala «moscovita»: 40 negativos, à volta disso. Era por aqui, onde almas arrefecem e as paciências congelam, que chegaria o mercúrio de (in)satisfação cinematográfica, depois de assistir a Moscovo Zero, de Luna. As personagens passam quase 90 minutos no subsolo de Moscovo. A qualidade do filme também. As primeiras ainda podem emergir, a segunda muito dificilmente atinge o rés-do-chão, o tal ponto zero.

Moscovo Zero é a quarta longa-metragem da espanhola Maria Lidón, que gosta que a chamem Luna. Uma co-produção internacional, que chega a patamares de orçamento e de elenco a que muito cinema europeu não ousa sequer ambicionar. Mas, como constatará quem for ver, não seriam Vincent Gallo muito menos Val Kilmer que, alguma vez, conseguiriam içar um filme destes das profundezas onde se encontra.

Então, a história entra num buraco aos primeiros minutos – e não torna a sair dele. Vicent Gallo lidera um grupo que parte numa expedição subterrânea aos túneis e catacumbas de Moscovo, à procura de um amigo antropólogo que se perdeu por lá. «Boa sorte, turista, vais precisar dela», dizem-lhe. É um thriller de terror, cá está. Porque se há coisa que a guionista deste filme não quis foi apanhar o espectador desprevenido – por ingénua gentileza ou, o mais certo, por desastrada estratégia de narratologia. Faz parte da gramática do terror, já mais que explorada na história do cinema: Ou o medo é vincado e funciona pelo choque; Ou é subtil e é promovido pela inquietação, ou pela estranheza, ou pela suspeita. Em Moscovo zero nem uma coisa nem outra. O filme promete sustos, mas sustos com pré-aviso, pois. E toca a destapar, abrir o pano, tudo à mostra, tudo às claras, tudo óbvio. E se dúvidas houvesse, lá está o facilitismo da voz of para esclarecer tudo. Vamos ver demónios. Uuuuuuhhhh! As portas do inferno estão abertas. Uuuuuuuh! E no fim, a técnica de identificação espectador / personagem acaba por funcionar muito mais com os pobres demónios do que com aquele bando de mal-encaradões exploradores – grupo a que também pertence o mais americanos dos actores portugueses do mundo, Joaquim de Almeida.

O antropólogo anda com uma mochila do Coronel Tapioca (daquelas que todos os jornalistas têm) e fala sozinho, mais uma «gentileza» do guião ao espectador. Vicent Gallo é um padre de cabeção, numa piscadela de olho ao filão místico-religioso que invadiu a literatura e o cinema dos últimos anos, e dá uma beijoca (Uuuuuuu!), a despropósito, a uma cicerone russa. Os russos chamam-se ou Yuri, ou Pavel, ou Serguei... e até há um Tolstoi. Também há uma menina de grandes olheiras que esvoaça o seu vestido branco por esses labirintos cavernosos – o que fica sempre bem num thriller sobrenatural. E, em geral, os actores parecem tão desorientados e aborrecidos quanto os espectadores.

O jornalismo é o reino da inexactidão. As telenovelas são o reino da redundância. Mas ainda custa mais ver a literatura e o cinema transformados no reino da irrelevância. O que é que este filme acrescenta? A aplicar aritmética a Moscovo Zero, a operação deveria ser a inversa: O que é que este filme subtrai? Luna é espanhola mas não leva nada de europeu para o cinema americano que tenta mimetizar. E tão mais difícil do que tentar uma ideia original é fazer um boa imitação. Moscovo Zero é um subproduto passado no subsolo. Bom, fiquemos com a única frase boa do filme, que vem agora ao caso: «Não se pode derrotar o que não existe».

Sem comentários: