DOCLisboa 2007
Do cinema independente e underground aos grandes monumentos do documentário. Do neutro ao politicamente empenhado: Alguns documentários portugueses no DOCLisboa 2007.
& Etc, de Cláudia Clemente
Do seu atelier de arquitectura, no Chiado, Cláudia via-os chegar. Singulares personagens, fora deste tempo, fora deste mundo. Iam e vinham, a horas desencontradas, alienígenas da cultura, pertenciam a outro planeta, uma cave penumbrenta, povoada de livros, ácaros, teias de aranha, garrafas de plástico vazias e gatos pequeninos. Neste seu inaugural documentário, Cláudia Clemente, uma ex-arquitecta que também já foi escritora, teve a confirmação: por vezes, não são precisas viagens de anos luz e astronómicos orçamentos para aterrar noutras galáxias. Neste caso, na & Etc, fundada em 1973, a editora dos livros quadrados, de Victor Silva Tavares e Rui Caeiro, para quem a venda de 20 exemplares é um sucesso editorial e o saldo negativo no banco um «prejuízo sustentado». Para falar com franqueza não é uma verdadeira editora, mas «uma aventura poética». Ou isto é que ser uma «verdadeira editora»? Uma aldeia de Ásterix, barricada pela poesia, pelas vanguardas, pelas sobrevivências anarco-culturais, sem se deixar invadir pelas lógicas mercantis dominantes. A única diferença é que estes irredutíveis gauleses nem medo têm que o céu lhes cai em cima da cabeça – já lhes aconteceu tantas vezes. Conta Vítor: «Às vezes, quando tenho de mandar caixotes de livros não vendidos para a guilhotina, sinto que estou a cortar um dedo, um pedaço de pulmão... Mas no meio de tanta desgraça até nos dá vontade de rir». Mesmo com a estrutura e a ingenuidade de principiante, Cláudia captou ao longo de um ano e de 16 horas de filmagens o espírito desta editora – chamemos-lhe antes ilha ou ilhota. Fê-lo no âmbito de um curso de realização na Restart. Já ganhou um prémio no Imago e teve o «privilégio» de ter sido seleccionada para a competição nacional do DOC Lisboa (foram escolhidos 20 num universo de 80). Agora está a realizar um vídeo-clip e a escrever a sua primeira longa de ficção. «Sou uma náufraga, uma aprendiz de feiticeira, espero um dia dizer que sou realizadora». Ficam as últimas palavras do documentário. Um poema de Adília Lopes, dito por ela própria: «Para que servem poetas em tempos de penúria?/Para que servem tempos de penúria?».
Adeus, Até Amanhã, de António Escudeiro
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