quinta-feira, 16 de abril de 2009

A visita das velhas senhoras

Almoço de 15 de Agosto, de Gianni Di Gregório





É a inclemência da vida, com todos os paradoxos e ironias adjacentes: no fim e no princípio todos nos parecemos. Regressa-se às fraldas, às gengivas desdentadas, ao plano horizontal (ou pelo menos, mais reclinado), aos sonos fora de horas, às birras, aos caprichos… A primeira longa do argumentista Gianni Di Gregório (presente na Festa do Cinema Italiano) fala destes estragos, destas vilanias e outras injúrias do tempo sobre o corpo e mente das pessoas (em especial das mulheres), mas sem a dose de sarcasmo maldoso que a frase que enceta este post carrega. E é esta doçura aliada a uma simplicidade desconcertante que torna encantador este filme.

Premiada numa série de festivais, trata-se de uma comédia à italiana, e até pode prenunciar um lento despertar do belo cinema italiano adormecido. Deste filme descolam-se, a todo o instante, referências ao cinema italiano de outrora. Não só a língua, o gesto de juntar os dedos das mãos em gota e fazer o movimento vertical com os braços, exclamando: «Ma Che Cosa!». É também o tom de neorealismo que ele contém: a câmara à mão, as actrizes não profissionais, os interiores pouco iluminados, os décors reais, alguma genuína lassidão…

Almoço de 15 de Agosto conta a história de um sénior-sitter (que é uma palavra que ainda não foi inventada mas que, com o aumento da esperança média de vida, já vai sendo tempo de a usar). Gianni faz de Gianni (a história tem algo de auto-biográfico), um cinquentão, endividado e falhado, que partilha o apartamento de Roma, também cheio de marcas da idade, com a velha mãe. Roma, abrasada pelo calor, está vazia durante o feriado, e Gianni é compelido a aceitar, durante uns dias, outras senhoras de idade, mães do senhorio e do médico, a quem deve rendas e favores. Quando se antevê uma comédia de qui-pro-quo, com este what if prometedor, Gianni vai mais longe. Ou seja, não vai exactamente a lado nenhum. Fica por ali, onde já estava, a convencer as senhoras a partilharem a TV, a não transgredirem as suas dietas, a reconciliar pequenos caprichos… E é nisto que consiste a leveza de casulo deste filme, a sua inoculada simplicidade. Na verdade, nada acontece. Apenas isto, um homem a partilhar um fim de semana com umas senhoras de idade, a fazer-lhes as refeições, a diligenciar para que se deitem e tomem os comprimidos. E fá-lo sem rancores, nem excesso de tédio. Sempre com uma tolerante gentileza. É por isso que, por detrás, de uma simplicidade sem filtro pode estar, afinal, um filme sobre a tolerância. Tudo se passa entre a luz recortada das persianas do apartamento. Mas, apesar da decadência e dos desnortes, há por ali alguma dignidade, algum brilho, tão diferente do cheiro baço, a desinfectante e a decomposição, que invade os lares de idosos.

Apenas numa ocasião, este sénior-sitter improvisado sai de casa, numa digressão em vespa por uma Roma, desertificada pelo calor e pelo feriado. Mas também nada acontece, vai apenas comprar peixe-gato a uns pescadores para o almoço das senhoras. É uma lufada de ar fresco, apenas cinematográfica, que o realizador, em boa-hora, introduz a meio do filme. Não respire…. Pode respirar. Por isso, é pena a rave party já dentro dos créditos finais. Tinha sido melhor ficar tudo no ponto inicial. Que seria o melhor ponto final.

4 comentários:

Ladislau disse...

OLha um filme italiano sem mulheres nuas nem cenas de sexo... coisa rara. Até o Nanni Moretti cedeu e filmou-se numa cena de sexo no Caos Calmo. Ou o filme não era dele?

Tiago Ramos disse...

O filme está fantástico, precisamente devido à simplicidade e ao despretensiosismo. Obrigado Final Cut Cinema por me terem dado a oportunidade de assistir à extensão no Porto.

Brevemente publico a críticia.

Unknown disse...

15 de Agosto é a data do meu aniversário :)

Anónimo disse...

São ínvios os caminhos que nos conduzem aos filmes. Uma cena, um actor, um título ou uma data. Registamos na nossa agenda, Victor Afonso