quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Israel não está para brincadeiras

    $ 9,99, de Tatia Rosenthal






Um filme sobre pais e filhos não é necessariamente um filme para pais e filhos. E este deveria ser apresentado com uma bolinha vermelha para salientar o facto de não se tratar de mais uma animação natalícia. $ 9,99 não é um filme para crianças. O que, por si só, é um fenómeno raro entre o que por cá se estreia em sala. Mais raro ainda, é que nem sequer é um filme para adolescentes. Dói onde as animações normalmente não magoam: no fundo da alma.

Enfim, o Médio Oriente já nos tem habituado a olhar o futuro sem contemplações animadas. Dali veio Persepolis, de Marjane Satrapi. E de Israel estreou-se o ano passado Valsa com Bashir, de Ari Folman, uma incomodativa obra sobre a guerra e os seus fantasmas. $ 9,99 é uma espécie de reverso da medalha: e o que se passa na paz. Pois é o filme da grande depressão do Ocidente, da incomunicabilidade da sociedade contemporânea, dos desajustes sociais, do fim do mundo, dessa imensa solidão.

Não nos deixemos distrair pela ambiguidade geográfica. O filme é uma co-produção israelo-australiana (vá-se lá saber como aconteceu tal coisa) e supostamente passa-se em Sidney. Contudo a realizadora, Tatia Rosenthal, e o argumentista/autor dos contos que originaram o filme, Etgar Keret, são ambos israelitas. Ao contrário do que acontece com Persepolis, Valsa com Bashir e a esmagadora maioria do que se estreia, $ 9,99 é uma animação de volumes em stop-motion.

A cena inicial, anterior ao genérico, dá o tom ao filme. É uma pequena cena de encontro de solidões, um dialogo surdo, que subitamente revela uma aspereza mortal, mantendo sempre inteligência no humor. Se esta cena inicial fosse uma curta-metragem receberia prémios em alguns festivais da especialidade.

Num mundo tão agreste não admira que a personagem principal, ou melhor, aquela com a qual mais facilmente nos identificamos, consuma furiosamente livros de auto-ajuda. Também há um anjo rezingão, de humor corrosivo, que por cima da pergunta: Deus existe?, levanta uma outra: e se Deus for mau?

Num mundo destes até os anjos se deprimem, e por isso não voam, os homens transformam-se literalmente em objectos, à mercê dos caprichos de uma mulher bonita, e a ausência de comunicação obriga a criação de amigos imaginários. Tudo isto à volta de um prédio que gravita, por acaso em Sidney, mas que poderia ser de qualquer cidade infeliz do ocidente.

A sociedade fica desossada tal como a mais vazia das personagens, mas nem todas as asas se fecham, há um imperativo moral que perdura e faz com que o filme termine em esperança, para isso há que reinventar mecanismos de evasão, recuperar a vida na velhice, fumar um charro, aprender a nadar como os golfinhos. $ 9,99 passou no Monstra de 2008 e agora, felizmente, chega às salas. Sem a terceira dimensão... mas com todas as outras.

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