quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Cuidado com as limitações

Vista Pela Última Vez, de Ben Affleck





Visto pela última vez. É de facto a primeira certeza com que se fica depois de assistir ao Vista Pela Última Vez (Gone, Baby Gone). O único consolo que nos resta: não repetir a dose, ver este filme pela primeira e última vez.

Nem é o pouco cuidado com as imitações que torna esta estreia do actor Ben Affleck atrás das câmaras numa experiência irrepetível para o espectador. O problema são mesmo as limitações. Primeiro a desagradável sensação de o filme não descolar, nem por nada, do registo televisivo, mantendo-se ao nível da mais banal das séries de polícias e detectives. Permanece rasante, não consegue ganhar altitude, não se eleva do nível do chão, e no entanto, ensaia todos os desconfortos de um voo de longo curso: turbulência, poços de ar, despressurização... Já sem falar das quedas a pique.

Parece que tudo falha. A começar pelo casting – o protagonista é Casey Affleck, o irmão mais novo de Ben Affleck, um detective privado, insípido, inodoro e insosso, que passa o filme a ser insultado pelos outros – e ninguém os pode censurar por isso. Trata-se de deslindar o enigma de uma criança desaparecida, mas o maior mistério é o da mulher aparecida: a namorada e ajudante, que não tem, afinal, qualquer utilidade, nem na investigação nem no argumento – ah, a sua única intervenção na acção é também uma queda a pique, num destrambelhado mergulho numa das cenas também mais destrambelhadas do filme.

O filme tornou-se famoso pela coincidência com o caso Maddie, aliás, por isso, a sua estreia foi adiada em Inglaterra. No filme desaparece uma menina (da mesma idade de Maddie), enquanto dorme sozinha no apartamento. As coincidências começam e acabam aqui. Amanda, a menina do filme, é filha de uma toxicodependente, do bas-fond de Boston, cidade que ultimamente tem figurado muito nos thrillers policiais, enquanto cenário de crime sórdido e corrupto, como nos excelentes Departed de Scorcese ou Mystic River, de Eastwood. Aliás, foi Dennis Lehane, o escritor de Mystic River, em que também se baseou Affleck para traçar o guião. Tal como em Mystic, esta história desenrola-se nos bairros problemáticos de Boston, abordam-se crimes cometidos sobre crianças, há pedofilia e arrependimento. Só que aqui nada consegue despoletar a mínima comoção – a provar que repetir fórmulas de um sucesso anterior não são favas contadas.

Rapidamente a caça à menina desaparecida se converte em caça ao próximo cliché. Todos os estereótipos comparecem neste filme. O polícia temperado e veterano, o polícia cínico e intempestivo, o traficante sentado com a respectiva partenaire semi-nua por detrás, uma entrada nocturna à Silêncio dos Inocentes na casa de uma espécie de família Addams, um duelo final no cimo de um prédio... Todos estes déja vu vêm acompanhados de quebras de ritmo, personagens inúteis, oscilando-se entre a maior barafunda e o tom explicadinho da voz off. Tudo isto, embrulhado numa pretensa complexidade moral. É tal a falta de credibilidade das cenas que quase que imaginamos o senhor da claquete a sair do set, depois de gritar silêncio e acção. E é quase doloroso ver Morgan Freeman, no meio de tanta irrelevância.

A mais sensata deixa do filme é quando um alcoólico hostil se vira para este detective privado e lhe pergunta: «Porque é que não vais para casa e regressas ao teu livro do Harry Potter?»

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