quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Um tédio mortal

Em Bruges, de Martin McDonagh




Dois homens sem nada para fazer, fechados num quarto de hotel.
Junta-se mais um dado: Dois homens sem nada para fazer, fechados no quarto de hotel, em Bruges, a cidade medieval da Bélgica.
E ainda outro: Estes dois homens, sem nada para fazer, fechados num quarto de hotel, em Bruges, são assassinos profissionais refugiados, à espera de instruções do chefe.
É muito interessante a forma como o famoso dramaturgo britânico Martin McDonagh, e agora realizador da primeira longa (já tinha ganho um Óscar com uma curta), vai expandindo o seu universo dramático, sendo que neste caso expansão significa concentração. Em Bruges, é uma comédia negra em três actos, cada um mais concentracionário que o anterior.
Porque daí a nada teremos dois homens e um complexo de culpa fechados num quarto de hotel, de Bruges etc, etc... O que é, convenhamos, muito apertado para tamanho sobrepovoamento. E não é nada por acaso que McDonagh os «concentra» na Bélgica, considerado no anedotário europeu o mais monótono e maçador dos países da UE. E nesta cidade museu de Bruges, paraíso dos turistas, mas um inferno entediante para um assassino profissional irlandês (Colin Farrell), que é penosamente arrastado pelo seu colega mais velho (Brendan Gleeson), a picar o ponto no locais de interesse cultural. Pintores gloriosos e macabros, relíquias sagradas e macabras, Boshs magníficos e macabros... Demais para o espírito de teenager do atirador mais novo, que fica enfim fascinado quando se depara com umas filmagens no meio da rua, e com uma certa assistente de produção...
Curioso é ver como McDonagh se serve da cidade, não enquanto cenário, mas como terceira personagem que ajuda a adivinhar as outras duas. Afinal não são as personagens que descobrem a cidade, mas a cidade que descobre as duas personagens. É uma cidade como Jacques Brel descreve a Bélgica no Plat Pays, «as catedrais são as únicas montanhas que o meu país tem». No filme também há uma torre, que terá uma importância crucial para a história. Não só a construção em arco da história e a circunscrição do espaço fazem lembrar uma peça de teatro. Também a definição das personagem e os diálogos. O humor negro e o lado do absurdo, e alguma dimensão infantilizante remetem-nos para The Pillow-Man, a peça que esteve no Maria Matos há uns anos, excelentemente encenada por Tiago Guedes (o da dupla que fez Entre os Dedos e Coisa Ruim). É o mesmo universo do autor: a perversidade associada à ingenuidade, a claustrofobia do espaço em consanguinidade com a claustrofobia da culpa, e o humor negro aliado ao absurdo. É verdade que o cinema não ansiava por mais uma história-de-uma-dupla-de-«bad guys»-que-afinal-também-têm-sentimentos. A questão está em conseguir tornar um lugar comum num filme incomum.

Sem comentários: