sexta-feira, 15 de maio de 2009

Cinemas do paraíso…

… ou arredores. Três minutos, 35 veteranos de Cannes, 33 declarações de amor e desamor ao acto de ver filmes

Cada um o seu Cinema,de realizadores vários











Três minutos: foi tudo quanto Gilles Jacob, director do Festival de Cannes, concedeu a 35 cineastas, habitués de longa data de um festival que então, em 2007, se tornava sexagenário. Na era das pipocas e do multiplex, a ideia era homenagear o cinema, enquanto espaço, entre o escuro e a plateia, entre as memórias e o acto de olhar para esta imensa caverna de Platão que, tantas vezes, tem mais luz, que a realidade lá de fora... Vindos de 25 países, alguns dos maiores realizadores do mundo apontaram objectivas para o mesmo objectivo, e o cinema viu-se ao espelho. O resultado é Cada Um o Seu Cinema, uma longa, composta por 33 curtas (os irmãos Dardenne e os Coen fizeram a sua habitual parceria), onde se cruzam os olhares melancólicos com os mais humorísticos, os mais minimalistas com os mais autobiográficos, os mais comoventes com os mais sarcásticos. Aqui ficam dez destes «infinitos particulares».





Jane Campion: The Lady Insecte



Um filme metáfora em que uma mulher transvestida de insecto não resiste ao fascínio das luzes do projector, e rodopia em torno delas, apesar das vassouradas e dos maus tratos. E pode ser «esmagador» o fim destes adoradores da Lumiére cinematográfica





David Cronenberg: O Suicídio do Último Judeu do Mundo no Último Cinema do Mundo



É talvez a mais crua de todas estas curtas com o cinema em fundo. Uma espécie de futurismo cinéfilo em que câmaras de ângulo apertado focam numa única sequência as tentativas de suicídio numa casa de banho do último cinema do mundo. Enquanto isso dois repórteres televisivos narram em directo os últimos três minutos do último judeu (interpretado pelo próprio Cronenberg)





Jean-Pierre e Luc Dardenne: Na Obscuridade



Os irmãos belgas encontram a luz ao fundo da obscuridade. Numa alusão a Pickpocket de Bresson vê-se um adolescente a esgueirar-se por entre as cadeiras, a sua mão penetra numa carteira de uma espectadora demasiado comovida para poder interromper a sua hipnose com o sobressalto de um furto. E a mão do delito torna-se a mão do conforto. O cinema é assim tudo, pode acontecer. Até a mais improvável redenção.





Ken Loach: Final Feliz



Talvez a mais simples e divertida de todas as curtas. Sem, contudo, deixar de contar uma história, de inserir típicos personagens com sotaque à Easte End londrino, e de conter uma crítica ímplicita ao estranho mundo dos multiplex e suas parcas exibições associadas… Na fila das bilheteiras um pai e um filho, discutem que filme hão-de ir ver, terror, acção, trash? Acabam por tomar a melhor decisão: vão ao futebol





Alejandro González Inarritu: Anna



Nesta espécie de Haiku cinematográfico, o realizador mexicano de Babel, ultrapassa o limite físico do olhar, e as capacidades sensoriais. Através de uma só personagem de olhar marinho, Anna, focada de frente, enquanto é conduzida através de um filme, narrado ao ouvido. Curiosamente, não foi o único realizador que pegou no prisma do espectador cego.





Nanni Moretti: Diário de um Espectador



Uma introspecção à Moretti, muito reflexiva, sobre o cinema, seu passado, presente e futuro. O meio utilizado é sempre o mesmo, só que agora Moretti está entre na plateia, de olhos alçados, mais ou menos assarapantados, entre as costas da cadeira da frente. «A minha maneira de ver filmes mudou, mas felizmente mantenho a mesma curiosidade em ver os filmes dos outros».



Roman Polanski: Cinema Erótico



Desde Dois Homens e Um Armário (1958) que o realizador polaco não fazia uma curta-metragem. Aquela narrava a experiência absurda de dois seres que carregavam uma armário. Nesta também há um casal de ar grotesco, muito típico, de certa veia polanskiano. Marido e mulher de meia idade assistem ao Emanuelle, um filme que fez bastante sucesso na gama soft core. Mas um espectador muito agitado na fila de trás e Polasnki resolve tudo com uma punch line demasiado óbvia.



Manoel de Oliveira: Encontro Único



São as singularidades de um realizador centenário. Foi o único dos 35 que parece ignorar por completo o tema proposto. Ou talvez não. Oliveira é assim, insubordinadamente independente. Fez um filme mudo a preto e branco, em que o Papa João XIII (João Bernard da Costa) e Krustschev (Michel Picolli) se encontram e cavaqueiam alegremente sobre aquilo que os une: as respectivas e proeminentes barrigas.



Walter Salles: A 8944 km de Cannes



Em três minutos, o celebrado realizador brasileiro (Central do Brasil) consegue ser tudo isto, ao mesmo tempo: divertido, mordaz, vivo, divertido, inventivo, elegante e sobretudo muito contagiante. Um plano fixo apanha dois repentistas brasileiros que, frente a um velho cinema que exibe os 400 Golpes de Truffaut, desfiam uma série de conjecturas ritmadas sobre os acontecimentos em Cannes.





Gus Van Sant: Primeiro Beijo



Quando lhe falaram no projecto, a primeira coisa que veio à cabeça do realizador foi O Cinema Bagdad, em Portland, no Oregon. Foi construído nos anos 20, e decorado a partir do tema das Mil e Uma Noites. A inspiração para o seu road movie, My Own Private Idaho (1991), também surgiu desta espaço grandioso, a que Sant regressa e povoa com um dos habituais personagens adolescentes. E pode ser aqui, nesta sala que a arte se confunde com a vida.



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