quinta-feira, 9 de abril de 2009

As mulheres sem cabeça

Histórias de Cabaret, de Abel Ferrara





Se pensavam que este filme de Abel Ferrara se passava no sub-mundo nova-iorquino, estão moderadamente enganados. Porque, na verdade, Histórias de Cabaret (Go Go Tales), passa-se no submundo de outro submundo. Desce-se ainda mais um andar no underground do realizador. Agora estamos numa subcave da subcave, nos bastidores de um cabaret, esconso e sufocante, que já teve melhores dias (ou melhores noites). Mas não é a claustrofobia do espaço que impede o arejamento do guião. Tudo acontece na vertigem de um bungee jumping, sem rede nem sistema de pára-quedas…. Em Go Go Tales, as cenas sucedem-se nesta queda livre, ao ritmo da música e das strippers semi-nuas, que em primeiro plano ou em fundo, não param de se contorcer. E há coisas sempre acontecer, ao ponto de parecer haver um torvelinho de uma corrente de ar impossível naquela viciosa atmosfera. Primeiro são brisasinhas que sopram em várias direcções, em seguida já nos envolvemos no tufão, no ciclone de acontecimentos que se enrodilham no caminho de um empresário da noite (Willem Dafoe) que, em contra-relógio, tenta salvar o seu stripper-club. Claro que apesar da ventania, há a falta de ar do espaço fechado, dos planos esquinados, sempre apertados, do escuro, do interior, dos efeitos claustrofóbicos das câmaras de videovigilância… Tudo passa, tudo dança, tudo corre, tudo se transaciona, tudo desvaira… Não sobra um fôlego. Mas quem se lembra de vir respirar para um clube de strippers?


Há uma série de meninas despidas, ou em vias disso. São todas esculturalmente perfeitas, estilizadamente iguais, estereotipadamente despersonalizadas. Quase não têm cabeça, não se distinguem, (uma delas é Ásia Argento), apesar do dono do cabaret, dentro do seu smoking branco e manchado, especificar as suas idiossincrasias e nacionalidades, do Texas à Sibéria. Também há toda a entourage burocrática dos bastidores, o contabilista , o porteiro, o barman, o cozinheiro gourmet que prepara cachorros biológicos. E também há cachorros não comestíveis, um lulu e um rotter-weiler que também participam na lap dancing. E toda a gente se queixa. A senhoria velhota, com um cabelo louro-decadente, reclama as rendas atrasadas, as strippers ameaçam fazer greve por falta de pagamento, uma delas está grávida e o médico não recomenda que dance de saltos de arranha-céus, outra delas é apanhada na pista pelo marido (o actor italiano do momento, Riccardo Scamarcio)… No meio disto tudo, um grupo de chineses entra lá dentro por engano, e seguem o «homem-caranguejo» do restaurante do lado. Há um bilhete premiado e desaparecido de uma espécie de euromilhões, um aquário com peixes, uma máquina espacial de bronzear que pega fogo, a música imparável de Francis Kuipers …

O caos está instalado mas desinstala-se ainda mais, naquele galope desenfreado, por entre aqueles compartimentos do bas-fond, e de fundos do fundo. A cada esquina algo de Cassavetes, e de Altman, e por instantes, quando as bailarinas mostram outras vocações circenses, (uma toca piano, outra é ilusionista, um bar-man representa Shakespeare… ) parece que se rompe, por instantes, a fina parede dos estúdios Cinnecitá.

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