quarta-feira, 27 de maio de 2009

Não se fale em corda...

O Último Condenado à Morte, de Francisco Manso










Um espectáculo degradante e uma abolição vanguardista: O Último Condenado à Morte em Portugal condenou a pena capital... à morte


Mal sabia o juiz que, em Julho de 1841, sentenciou Francisco Matos Lobo, um assassino lisboeta, meio desvairado, a morrer pela forca, estava também a condenar à morte a própria pena de morte. Uma carnificina sanguinária. Três falecimentos de uma só cajadada. Morreram as vítimas à facada (uma mãe, dois filhos e uma criada), morreu o louco assassino, a estrebuchar, no patíbulo e morreu a pena capital - em 1952, abolida para crimes políticos e, em 1967, para crimes comuns. Foi outro dos raros casos em que Portugal esteve na vanguarda do mundo. E para isso contribuiu um cortejo mórbido e degradante pelas ruas de Lisboa, a arrastar um condenado já quase cadáver, até ao patíbulo cercado por povo ululante. E mais uma vez, o realizador Francisco Manso recupera para o cinema (O Último Condenado à Morte estreia-se quinta, dia 28), uma história que precisava ser contada. O seu próximo filme (em fase de pós-produção) narra o épico assalto ao navio Santa Maria pelo tão cinematográfico capitão Galvão Teles.


Mas, por agora, embarquemos na procissão. Naquela, que no século XIX, calcorreou a cidade (o juiz ordenou que antes de chegar ao cadafalso, o condenado teria de percorrer todas as frentes da casa onde havia ocorrido a chacina). Conta-se que o réu foi acometido de sucessivos ataques epilépticos ao longo do percurso. O corpo convulsionado teve de ser amarrado a uma cadeira de espaldar, e passava, de olhar esgazeado e espuma sanguinolenta a escorrer-lhe da boca. As autoridades apressavam o enforcamento, antes que o ser que agonizava em estertores expirasse de vez. Teve de ser levado em ombros para o cadafalso, este farrapo humano babando sangue e de cabeça pendente. Perante o espectáculo, o padre da extrema unção caiu logo ali, a rolar pelos degraus, fulminado por uma apoplexia. Outro padre desmaiou. Entretanto, o condenado esperneava, baloiçando numa agonia sem fim. Um carrasco coxo tentou trepar-lhe para os ombros, para lhe quebrar as cervicais e abreviar a execução, mas caiu e teve de montar outra vez o vulto branco e retorcido...

Isto, segundo as descrições da época (recontadas por Júlio Dantas), porque o acontecimento não é de todo o epicentro do filme. Dá a sensação de que o realizador sabia que queria acabar aqui. Mas hesitava em como começar o filme. E em vez de optar por um começo ou por outro, optou por todos. Nos primeiros 15 minutos o filme não cessa de começar. Começamos com o julgamento no tribunal. Não, afinal começamos com uma conversa indecifrável entre Nicolau Bryener e Albano Jerónimo, ao que parece, amantes da mesma mulher e da mesma causa política. Não, afinal começamos com a decisão de partida para o Brasil de Nicolau Breyner, que é quando desaparecem as letras do genérico. Não, afinal começamos com uma lição de patologia criminal, passados 25 anos da execução, quando um professor (José Raposo) examina o cérebro do enforcado Francisco Lobo, conservado em formol. Não, afinal começamos quando dois estudantes de medicina assistem ao ensaio da peça O Último Condenado à Morte, encenada por um anão. Não, afinal temos um princípio clássico: o baptismo de Francisco Lobo. Tantos princípios conduzem a um meio do filme que se perde em cenas descosidas, contextualizações de época, lutas entre liberais e miguelistas, algumas concessões televisivas - pelo menos três actrizes aparecem nuas da cintura para cima - uma mãe muito passiva que é a única do filme que fala à século XIX, e outros acontecimentos mais ou menos relevantes para o trágico enlace do pescoço de Francisco Matos Lobo (Ivo Canelas). Há personagens que não estão de todo instaladas no argumento, mas Maria João Bastos (a assassinada) mostra-se, de facto, muito bem filmada, e corre o risco de tornar-se, depois do Equador, a nossa actriz especialista em sotaques estrangeiros. Com boas composições de planos e um invulgar cuidado nas localizações, a tese do filme é a de que ele era um serial killer sombrio, e ela uma serial conquistadora. Ele, ex-seminarista e miguelista e ela uma liberal. Pelo menos na alcova. E não vale a pena falar de corda…



2 comentários:

Ladislau disse...

A história é incrível. Como é que o realizador não soube aproveitar?

JMDuarte disse...

Se o filme é tão mau como o trailer não percebo porque não tem bolinha preta?
JMDuarte