quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nunca a América foi tão livre

Taking Woodstock, de Ang Lee






Será que é possível fazer um filme sobre Woodstock sem mostrar Jimi Hendrix a esgaravatar a guitarra eléctrica enquanto toca o hino dos Estados Unidos? Nem Joan Baez? Nem Neil Young? Nem os Creedence Clearwater Revival? Será possível fazer um filme sobre o mar sem água? É como assistir a um jogo de futebol de costas viradas para o campo: quase sempre o espectáculo é melhor nas bancadas.

O que de mais importante se passou em Woodstock, o lendário festival de 1969, não foram as bandas que actuaram em palco. Ali se celebrou o auge do movimento hippie, quando centenas de milhar de jovens experimentaram a liberdade de forma extrema e ilimitada. Sexo, drogas e rock’n’roll. Perante a tríade Ang Lee, no seu filme, fez a opção certa: que se lixe o rock’n’roll. Ou melhor, a música está lá, mas apenas em pano de fundo, no seu papel de pretexto.

É brilhante a construção do argumento por James Schamus, a partir da autobiografia de Elliot Tiber, a subtileza como nos conta a história partindo dos aspectos mais laterais. Não é por acaso que em França o filme recebeu o título Hotel Woodstock. É que o ponto de partido é mesmo esse: uma família judia que administra um motel numa vila perdida da província de Nova Iorque. Começa por ser uma comédia, graças à rigidez judia da mãe (Imelda Stauton), a fragilidade do pai (Henry Goodman) e a o tino do filho (Demetri Martin, conhecido na stand-up commedy americana). Mas, de certa forma, é verdade que foi ali que tudo começou.

Para Ang Lee conta explicar, a propósito de Woodstock, o vendaval de mudança. Não só as grandes mudanças, como o fim da guerra do Vietname, apregoado pelos hippies, ou o susto de morte que a América conservadora apanhou. Conta a mudança de mentalidades, a mudança interior. E também a paz, simbolizada na personagem de Michael Lang, o célebre rapaz dos caracóis dourados, que organizou Woodstock, ali pintado com a serenidade e beleza de um anjo.

Taking Woodstock parte do particular para o geral. E é assim que melhor se contam as histórias. O Woodstock de Ang Lee faz-se de histórias, pequenas ou grandes, de libertação. E essa voragem, a partida para o novo ego, é feita ao sabor de sexo, drogas e rock’n’roll. Há um polícia com uma flor no chapéu, um grupo de freiras que ergue os dois dedos de ‘paz e amor’, trips de LSD reveladoras de novos mundos, ex-soldados do Vietname que se curam pela loucura, hilariantes festins que encontram segredos de família, beijos espontâneos que abanam as tendências sexuais. No final já ninguém é o mesmo. E o que foi Woodstock se não isso? Mais importante que o festival é tudo aquilo que representa.

Ang Lee atreve-se ainda a ousadias formais, num filme de concepção complexa, com centenas de figurantes. Em certos casos, resulta muito bem o ecrã dividido; e é brilhante o uso da animação na cena da trip. Taking Woodstock é um grande filme de Lee, com todos os ingredientes para se tornar uma obra de culto. Mas não é sobre música. Quem queria mais música, que compre os discos.

1 comentário:

Jackson disse...

Parece que estamos de acordo relativamente à nova fita de Ang Lee. É uma boa experiência, não brilhante, e a falta de um palco nas atenções não lhe desvia o interesse.

Gostei do blog, já está adicionado ;)

Abraço