sábado, 4 de outubro de 2008

Entrar na cabeça dos irmãos Coen

Destruir Depois de Ler, Ethal e Joel Coen




No célebre e louco filme Being John Malcovitch, de Spike Jonze, com argumento de Charlie Kaufman, há um arquivista, que trabalha numa firma num meio andar, onde as pessoas têm de estar curvadas, e descobre atrás de um armário uma espécie de portal que dá passagem para dentro da cabeça de John Malkovich. Por acaso, o John Malkovitch também faz parte de Burn After Reading, mas o que seria mesmo um útil achado era encontrar o tal portal com acesso aos refúgios cerebrais dos irmãos Coen... Só para espreitar o que lhes vai na cabeça, e olhar o mundo pelos seus olhos. Se Este País Não é Para Velhos, apesar de ter passado no filtro do gosto formatado da academia dos Óscares, já foi um filme-ovni naquela cerimónia, esta nova comédia serve para afugentar os maiores temores. Não, os irmãos Coen não se normalizaram. Não se vergaram à lógica de milhões do main-stream. Não se regeneraram. Não se moderaram. Não se bem-comportaram... Continuam saudavelmente enlouquecidos. Independentemente extravagantes. Radiantemente sombrios.

Destruir Depois de Leres está longe de ser um filme grandioso, é mais uma espécie de thriller à Coens, um filme inteligente sobre pessoas estúpidas. Todos os componentes habituais comparecem à chamada: as personagens idiotas, as ideias grotescas, o cinismo, o humor negro, e de gosto duvidoso, e aquela desconcertante mania de matar os protagonistas sem aviso prévio ao espectador... Alguém prime um gatilho, ou brande um machado, sangue a rodos, e pronto... adeus personagens. Os irmãos Coen nunca têm contemplações quando se trata de se desembaraçarem de um personagem (é uma das suas imagens de marca). Ao ponto de ficarmos a pensar quem é que assassinou aquela pessoa, se o assassino da história, se os outros assassinos que estão por detrás, a escrever o guião.

E apesar de já não serem uns marginalizados do sistema, continuam a querer permanecer fora dele. E mesmo tendo acesso a luxos orçamentais (o elenco tem «só» o George Clooney, o Brad Pitt, o John Malkovitch, a Tilda Swinton e a Fraces McDormand), mantêm aquele velho estilo independente de filmar. Juro que não foi ilusão de óptica, há mesmo um coto de microfone a aparecer no «tecto» de uma das cenas...

A história de Destruir Depois de Ler está povoada de idiotas. Mas estes idiotas repartem-se por diversas categorias. Há o perfeito idiota que é George Clooney, que tem uma obsessão pela corrida, sobretudo depois das cenas de cama, e que anda a fabricar geringonças sexuais de um mau gosto atroz. Há o idiota chapado, que é John Malkovitch, um ex-agente da CIA com problemas de alcoolismo e um mau feitio desprezível. Há o idiota patetinha alegre que é Brad Pitt, um personal trainer que passa o tempo a sugar bebidas energéticas por uma palhinha, além de usar uma poupa e ter uns tiques de dança insuportavelmente ridículos. E ainda há uma pediatra glacial (Tilda Swinton), tão severa com as crianças como com o marido Malkovitc, e com o amante Clooney. E Frances McDormand, a gerente de um ginásio que quer fazer uma multi-cirurgia plástica abdmno-nadego-mamário-facial , «porque com este corpo já fui o mais longe que podia», mas o seguro não lhe cobre as despesas.

E então, de uma forma ardilosa e muito mcguffiniana, os Coen põem toda esta gente a mexer-se a interligar-se uns com os outros, numa espiral de loucura acumulada, que envolvem: supostos segredos da CIA extraviados numa disquete perdida nos balneários de um ginásio, chantagem, encontros sexuais através da Internet, advogados de divórcio, três cadáveres, e até os imperturbáveis diplomatas da embaixada russa. Tão baralhados no meio desta história. Como nós. Ou como os agentes da CIA que observam intrigados o curso absurdo de todo este caos. «Volte a fazer o relatório, quando isto começar a fazer algum sentido», diz o supervisor ao agente que lhe vem reportar as estranhas movimentações de toda esta gente, que ora andam todos a matar-se uns aos outros, ora andam todos a dormir uns com os outros.

Claro que a montanha desta multi-paranóia cruzada acaba por parir um rato. Ratos como eles, no seu incongruente e absurdo andarilhar por aí. Ratos como nós, humanos roedores nesta caminhada non-sense de existência minúscula. Pelo menos, quando observada bem do alto, do céu, do espaço, que é para onde a câmara nos transporta na última cena do filme.

1 comentário:

Jackson disse...

Foi uma grande surpresa de ano passado, a realização dos Coen e as interpretações (nota, claro, para a de Brad Pitt) estão soberbas!

Abraço