quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Estilhaços

Viúva Rica Solteira Não Fica, de José Fonseca e Costa

Ela colecciona maridos. É para a troca. E os repetidos? Para colar nos vidros. Uma comédia à José Fonseca e Costa


«...Até que a morte os separe», é, porventura, a deixa crucial do filme. Ou pelo menos, a mais sugestiva. Pode dar ideias, de facto. Às noivas menos escrupulosas, ou impacientes, ou simplesmente entediadas. Sobretudo se forem como D. Ana Catarina, a protagonista do novo filme de José Fonseca e Costa, Viúva Rica Solteira Não Fica (estreia hoje, Quinta, em 14 salas no país).

E se uma jovem aristocrata dos finais do século XIX aviasse maridos, com a assistência de uma ama e a bênção de um padre? E é a partir deste «what if» cinematográfico que se começam a tecer as malhas do 10º filme do realizador, etiquetado pelo próprio como «uma tragédia à portuguesa, quase uma comédia». Há uma viúva (a brasileira Bianca Byington) mais por determinação do que por vocação; uma ama cheia de expediente (Cucha Carvalheiro) mais por pragmatismo do que por malevolência; um abade condescendente (José Raposo) mais por comodidade do que por misericórdia divina; e cinco candidatos a maridos, ou será mais justo chamar-lhes candidatos a defuntos? (Rogério Samora, Ricardo Pereira, Diogo Dória, Anton Skrzypciel e Pedro Lacerda). Depois há talvez o estratagema mais interessante do filme (ao lado da fotografia de Acácio de Almeida, das interpretações da ama e do abade e da excelente iluminação à luz das velas) que é o de fazer os assassinados tragarem a própria arma do crime. A explicação segue-se logo após os dois pontos: um copo de cristal estilhaçado num almofariz e servido à refeição, dissolvido na sopa dos maridos. Remédio (pouco) santo. E que lhes faça mau proveito. «Está boa esta sopa de amêijoa, só tem é um bocadinho de areia»...

E entre a marcha fúnebre e a nupcial há a valsa dos pretendentes. O que o move estes candidatos deve ser mesmo o amor, como diz a anedota, porque nenhum deles parece ter qualquer interesse pela condessa com sotaque brasileiro. Fonseca e Costa fê-la recém-chegada do Brasil, mais, julga-se, por conveniência de co-produção do que por imperatividade de argumento. Bastante obscuras parecem ser as motivações dos outros personagens, que fazem «lobbing» por um ou outro noivo, sem se perceber exactamente as razões. Vagos assuntos de terras, de finanças, de heranças, de políticas, de dívidas ao jogo... E afinal, viúva rica , solteira não fica – juridicamente quem enviúva nunca regressa ao estado solteiro, mas o povo e Fonseca e Costa assim o proverbiam, e lá devem ter razão. Certo certo é que os esposos que caiem na teia nunca agradam à viúva negra. Um é demasiado débil, outro impotente, outro prefere o furtivo do palheiro para se encontrar com a criada Miquelina, outro é «very british»... E, ao longo dos três actos do filme, os maridos vão entregando a alma ao criador. Do pó (de vidros) às cinzas.

Pelo meio, ainda há um tépido duelo, uma cena patriótica que envolve a cantora de ópera Helena Vieira a entoar o hino da Maria da Fonte, dois médicos ao estilo Dupont e Dupond («eu diria mesmo mais...»), os trejeitos de um fotógrafo alfaiate representados por Victor Espadinha e os silogismos de José Raposo –num bem sucedido desempenho, pena que este actor tenha sido, até agora, tão pouco aproveitado em cinema.

1 comentário:

emot disse...

É uma pena um filme engraçado e bem concebido ter uma qualidade de imagem tão pobre em algumas cenas. Merecia mais.