domingo, 3 de maio de 2009

Yuppie procura sindicalista

De Malas Aviadas, de Jonas Elmer







Mesmo para os apreciadores do género, comédia romântica, De Malas Aviadas não é um bom filme. Renée Zellweger é mais irritante do que engraçada, Harry Connick Jr não ajuda, a história é tão previsível que, vendo uma ou duas cenas, descobre-se o filme todo, e está cheio de pormenores de mau gosto. Os próprios diálogos alimentam-se à base de clichés de «o que é o campo» e «o que é a cidade». E até há graves rupturas na lógica interna da própria história, para prejuízo para a tensão dramática tão importante para o género. Contudo há um aspecto interessantíssimo de observar neste filme menor: a crise económica é uma evidência tal nos Estados Unidos que até se tornou pretexto para filmes piegas e bem-dispostos. Há 10 anos seria impensável que a EEG apostasse numa história de amor entre uma ambiciosa candidata a CEO de uma grande empresa e um delegado sindical. Há 10 anos seria pura e simplesmente impossível que um blockbuster escolhesse um delegado sindical como personagem.
De Malas Aviadas é uma história operária, no interior dos Estados Unidos, onde, tal como por cá, fecham fábricas todas as semanas. A pequena e simpática vila do Minnesota, mais de metade do ano gelada, gira à volta de uma fábrica de barritas de cereais, controlada por uma grande empresa. A ambiciosa Lucy Hill vem de Miami com o objectivo de remodelar as instalações, reduzindo pessoal. É recebida com natural desconfiança. Todavia acaba por se apaixonar por Ted, o delegado sindical (a isto se chama concertação social), pintado, de início, obviamente, como o último homem do mundo pelo qual ela se poderia interessar. Mas já se sabe que nisto das comédias românticas um amor e o ódio andam sempre coladinhos e, mais do que na vida, aplica-se o ditado «quem desdenha quer comprar».
O que ela compra, com o pacote, é alguma consciência operária, ligeiramente de esquerda. O capitalismo (selvagem) é apontado como o mau da fita e acaba destruído com uma retoma de consciência da protagonista. Mas não se animem em demasia as almas de esquerda que, pese a eleição de Obama, a América não está assim tão mudada ao ponto de aceitar um filme declaradamente esquerdista na sua indústria. Hollywood nunca pegaria no tema com a lucidez ideológica de Mike Leigh ou Laurent Cantet (O Emprego do Tempo, Recursos Humanos). Nem sequer repete a frescura utópica do discurso de Henry Fonda, em As Vinhas da Ira (John Ford) ou a determinação de classe de Marlon Brando, em Há Lodo no Cais (Elia Kazan). Os tempos são outros, e o dinamarquês Jonas Elmer, que realiza este filme, não é um autor, e como tal não arrisca subverter o sistema.
Os trabalhadores unem-se. Mas essa união não serve de afronta ao patronato, não há greves, nem manifestações, muito menos apropriações. Trabalham horas extra, noite e dia, em prol do seus patrões, para dar provas da viabilidade da empresa e assim não perderem o emprego. O que é de uma perversidade absoluta – este «se trabalhar mais pelo mesmo salário não fico desempregado» significa um retrocesso na História de mais de um século até aos confins da Revolução Industrial.
Quando, no final, os operários, incitados pela reconvertida Yuppie, arriscam comprar a fábrica , é-nos devolvido algum espanto, por uma comédia romântica insinuar a ideia de uma cooperativa. Mas logo tudo se desfaz. A cena final, em que Blanche desmaia ao receber o cheque dos milhões dos direitos de autor, logo nos recoloca no velho sonho americano. E, alicerçando-se no falacioso conceito de «terra de oportunidades», se (re)constrói o neo-liberalismo.



Sem comentários: