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quinta-feira, 8 de março de 2007
Alemanha, ano zero
As Vidas dos Outros
, de Florian Henckl von Donnersnarck
As Vidas dos Outros é um dos melhores filmes em cartaz. Mais do que um thriller político. Muito mais do que um drama humano. E muito europeu.
Nada é privado, nada é sagrado, nada é particular, nada é íntimo – nem os pecados. Meio mundo espia o outro meio. Há tutelas de pensamentos, patrulhamentos de almas. Canais de vigilância que se entranham nas paredes das casas como infiltrações. Nas salas, nos corredores, nos quartos, nas casas de banho, nas camas. Térmitas de tecnologia que traçam e emaranham caminhos por baixo dos quotidianos alheios. Túneis oficialmente clandestinos, cada vez mais insinuantes, cada vez mais trilhados, cada vez mais infiltrados... e que deixam porosas As Vidas dos Outros. O mesmo que acontece a um soalho antigo, com os seus interiores sistematicamente devorados por gerações de caruncho. De corrosão em corrosão... até ao desmoronamento final.
E As Vidas dos Outros do alemão Florian Henckl von Donnersnarck (ganhador do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro) é um filme sobre desmoronamentos. Desmoronam-se as vidas, desmoronam-se as convicções, desmorona-se um regime, desmorona-se um muro.
Não será por acaso que o filme começa em 1984, ano com óbvias conotações orwelianas. Só que aqui o país não é ficcional: existiu mesmo. A paranóia vigilante também. E o Big Brother não é metafórico: chamava-se Stasi, a polícia política da RDA, uma nação de 17 milhões rigorosamente vigiada por uma rede de 100 mil funcionários e 200 mil informadores.
Mas este não é um filme de ajuste de contas. Nem de revivalismo nostálgico e poético, como o Good Bye, Lenine de Wolfgang Becker. Nem tem nada a ver com o neorealismo apaziguado de Rosselini, de quem se roubou o título desta crónica, Alemanha, Ano Zero, em que os alemães vencidos do pós-Segunda Guerra tentavam sobreviver entre penúria e escombros. Escombros em As Vidas dos Outros só mesmo os do Muro de Berlim, que nunca chegamos a ver. Só se vêem as ruas urbano-depressivas daquela Alemanha de Leste. E as brechas que vão minando o cimento, até 1989 se tornar no novo ano zero alemão.
Antes de mais diga-se que este é um dos mais interessantes e melhores filmes em cartaz (e do ano cinematográfico que se conta de cerimónia em cerimónia dos Óscares), ao lado do de Scorsese, claro, e do Babel, também – ao arrepio de certa crítica. Acrescente-se que As Cartas de Iwo Jima, não alcançou, nem de perto, a densidade humana dos dois Eastwoods anteriores, e definitivamente não é uma obra-prima, merecedora de cinco estrelas – ao arrepio também da mesma crítica.
As Vidas dos Outros é um daqueles filmes europeus, que aparecem, volta e meia, nas salas de cinema e que são justamente condenados a ficar em exibição muito mais tempo do que os distribuidores previram, procurado por caudais de espectadores que vão engrossando nas semanas seguintes à da estreia.
O primeiro filme de Florian não é só um thriller político. Também não é só um drama humano. Esta East Side Story começa quando um dramaturgo famoso (que nem é um desalinhado do regime) fica sujeito ao O.V., Operativer Vorgang, a designação da Stasi para o mais alto grau de monitorização de suspeitos. O intelectual não é um suspeito do costume, é um suspeito à força. Ou antes, um rival amoroso a abater por um ministro que lhe cobiça a namorada. O capitão Gerd Wiesler (o magnífico actor Ulrich Muhe), um agente muito credenciado na Stasi, especialista em interrogatórios a presos políticos, é encarregue pessoalmente da missão.
Em 20 sincronizados minutos, uma equipa da Stasi entra em casa do escritor, armadilha-lhe as paredes de escutas, intimida a vizinha do lado que espreita pelo óculo. Ficamos a saber dos métodos científicos de tortura daquela polícia politica. Que remetem os da nossa PIDE (com menos dez anos de avanços tecnológicos) para uma escala «caseirinha» e artesanal.
Na «terra do socialismo real» havia os socialistas e os «outros». E os «outros» eram reprimidos ao nível industrial. A indústria da vigilância. O filme guia-nos pela gigantesca e mecânica base de dados, onde se arquivam relatórios com as vidas dos outros. Há especialistas em grafologia, conhecedores dos tipos de caracteres de todas as máquinas de escrever existentes no país. O pano onde os interrogados pousaram a mão é recolhido para que os cães detectem o medo e a mentira no suor. Os interrogatórios são gravados ao longo das horas de tortura de sono para servirem de exemplo prático aos alunos, aprendizes de algozes. Nas caves do edifício da Stasi existe um sistema de abertura de correspondência, em linha de série, com maquinetas que emitem vapor.
Os intelectuais estão debaixo de olho dos agentes da Stasi. Dissecam-lhes os quotidianos, traçam-lhes a geografia dos afectos, suspendem-lhes as carreiras, arquivam-lhes as fraquezas, as que os podem fazer ceder, e cooperar, e denunciar... São fichados em classes como tipos de insectos em caderneta de biólogo. Para cada um, o género adequado de interrogatório e de tortura. Para os do tipo 5, por exemplo, recomenda-se o isolamento durante 11 meses, seguidos de uma libertação inesperada - e fica garantido que nunca mais escrevem, nunca mais criam. «Os escritores são os engenheiros da alma», cita o ministro, que já não se lembra de quem é a frase famosa. Staline, pois...
E 24 sobre 24 horas está o capitão com os olhos e ouvidos no ambiente familiar do escritor. E escuta-lhes as conversas, as festas, a música, a amizade que não é condicionada, o amor que não é comprado. Lê Bretch. Comove-se com uma sonata. Aos poucos também o capitão se torna um «outro», passa-se para o «lado errado». Que à luz da História e da consciência era o lado certo, muito mais próximo, afinal, de uma verdadeira e incorrupta ideia de comunismo. Filhos de pais da ex-RDA mas migrados para o Oeste, o realizador costumava atravessar a fronteira para visitar os parentes de Leste. Em criança detectava o medo e a suspeita nos olhares dos adultos. Quando cresceu quis fazer um filme e uma pergunta: «Devemos seguir os nossos princípios ou os nossos sentimentos?». Seja qual for a resposta, é sempre possível voltar atrás, mesmo quando mais de metade do caminho já foi percorrido.
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