terça-feira, 24 de março de 2009

Força, força compañero Che



Che, o Argentino, de Steven Soderbergh




Mas o problema é que não tem força nenhuma. Pode ter veracidade, fidelidade, integridade, lealdade, sobriedade, probidade e outras coisas terminadas em «ade». Só não tem o que mais se esperava que tivesse a biografia do guerrilheiro revolucionário mais famoso do mundo. Força. Que era coisa que abundava pela Sierra Maestra, quando uma dezenas de rebeldes liderados por Fidel de Castro conseguem conquistar a vila de Santa Clara, e se dirigem a Havana, de vitória em vitória, até ao derrube final do sinistro regime de Fulgência Batista.


Benicio del Toro encarna um Che Guevara sempre contido, e crispado, sempre no mesmo tom - seja no meio da selva ou no meio do auditório das Nações Unidas. Mantém a mesma serenidade, quando apanha um tiro, ou quando tenta moralmente domesticar alguns guerrilheiros ideologicamente impreparados. Mas o que acaba por impressionar mais são as parecenças físicas entre Che e Benicio. E quanto a isso o mérito não é só da actuação. Mas percebe-se bem o empenhamento de Benicio (que também produtor) em perseguir esta ideia.


Porque é justamente isto que se sente quando se assiste à primeira parte deste filme em duas. Che é este invólucro, quase perfeito – diz-se «quase» porque Che é um modelo difícil de superar, e só olhos treinados de fotógrafo, como Albert Korda, conseguiram captar todo o sentimento que existe por detrás daquele rosto que se tornou ícone e emblema... Mas ao contrário da famosa foto, que no seu aprisionamento estático, transmite toda a riqueza da personalidade, o Che de Soderbergh é de tal maneira oco que até arrepia. Não há nada lá dentro, nem qualquer sentimento, nem emoção, nem alma. É isso, este é um Che desalmado.


Bem pode Soderbergh argumentar que pretendeu fazer um filme sóbrio, historicamente correcto e fiel aos diários do próprio Che. Bem pode dizer que resistiu aos convencionalismos dos biopics à americana. Tudo isto soa a desculpa de mau realizador. E a verdade é que Soderbergh (talvez com excepção de Kafka) já deu provas, no enjoativo Sexo, Mentiras e Vídeio ou nos frugais Oceans, de que não tem grandes garras para tocar guitarra, quanto mais tres (é um instrumento de cordas cubano). Os enquadramentos são primários, quase que notamos as costuras da montagem, as personagens só têm fora, não têm dentro, e francamente, a emoção não passa.

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