segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tubo sem escape

Home, Lar doce Lar, de Ursula Meier






É a história de uma família que tem uma auto-estrada no quintal. Ou será antes a história de uma auto-estrada que tem uma família atrelada numa berma.

No caso de Home, Lar Doce Lar, uma muito invulgar primeira longa da realizadora suíça Ursula Meier, ambas as definições fazem sentido. Para este filme teria de se abrir uma nova classificação de géneros. Porque ele é um road movie ao contrário. Não são as personagens que transitam. Quem passa incessantemente por eles é o trânsito. Estamos, como na música dos Talking Heads na estrada para lado nenhum...

O filme divide-se em duas partes. Na primeira, acompanhamos o quotidiano de uma família bastante ruidosa, e muito lúdica. Os pais (a mãe é Isabelle Huppert), duas filhas adolescentes e um miúdo (Kacey Mottet Klein – e atenção que esta é uma interpretação infantil notável)...

Esta família não tem uma particularidade. Tem várias particularidades. A mais visível é a circunstância de viverem todos cinco numa casa isolada no meio da pradaria, mesmo junto à berma de uma auto-estrada, que nunca chegou a inaugurar. E aí a realizadora explora todas as potencialidades visuais e insólitas de ter uma família que ocupa com toda a exuberância um espaço a que não se costuma ter acesso. O filho rola por ali de bicicleta e de trotinete, ao fim da tarde reúnem-se para jogar hóquei no asfalto, gurdam os sapatos nos rails de protecção, suspendem-lhe a parabólica em cima, deixam espalhadas brinquedos, piscinas de plástico, cadeiras, bolas, patins naquele espaço imenso...

A outra particularidade desta família é usar a casa de banho como ponto de encontro. Enquanto as outras se reúnem na sala, ou na casa de jantar, esta reúne-se no WC. E tem os seus próprios rituais, os seus jogos, as suas rotinas, os seus códigos... Percebe-se que encontraram algures uma base de equilíbrio, que lhes assegura a funcionalidade.

Entretanto, algo começa a mudar. «Eles vêm aí...» Um dia, o miúdo aparece com marcas de alcatrão fresco, brinca com a tinta branca dos traços descontínuos. A família aguarda com apreensão que a estrada seja aberta ao fim de dez anos de esquecimento. Há uma cena à ET, em que uns tipos responsáveis pela manutenção rodoviária lhes invadem «o quintal»... E repõem os rails no sítio, e retiram toda a artilharia lúdica da família, empurram a tralha para as bermas da estrada.

Chegamos à segunda parte do filme. A abertura da auto-estrada é a ameaça, a infecção que pode destabilizar esta família. O primeiro carro, o primeiro ruído, as primeiras partículas de toxinas... A primeira medida: prender o gato. Vemos como é, afinal, instável o ponto de equilíbrio da funcionalidade desta família. Em breve ela vai perder o direito de fazer o seu próprio barulho.

Estavam isolados do mundo, mas o mundo espalha-se como crude num oceano. O mundo cerca-os, aperta-os, circunscreve-os. A opção da realizadora pelos planos fixos e por algumas câmaras à mão transmite-nos esta ideia de cerco, de claustrofobia, de bolha que pode rebentar a qualquer momento.

Face à ameaça, a família escolhe ficar, numa lógica de resistência passiva. Abandonar o lar doce lar está fora de questão. Eles encontraram a fertilidade na aridez do asfalto, criaram raízes no alcatrão. Têm direito ao seu chão, por mais impossível que seja. A auto-estrada começa a fragmentar as ligações, e a minar-lhes a coesão. Há uma espécie de muro de Berlim entre eles, um fosso da aldeia de Asterix... A família dá os primeiro sinais de colapso iminente.
Em lugar de fugir, esta família encasula-se, fecha-se sobre si como um caracol, tenta poteger-se do ronco infernal e constante dos motores, das partículas poluentes. Dormem numa cama comunitária... Mas o mundo lá de fora infiltra-se, pelas frestas, através das paredes, por todas as frinchas, por todas as fendas. É uma luta inglória, uma casa contra o planeta Terra, uma família-David contra o mundo-Golias, só que na vida real a globalização engole e digere as suas pequenas ilhas dissonantes.

Agora temos uma família encurralada, já não se sabe se a ameaça vem de fora, ou de dentro. Com uma fotografia excelente (Agnés Godard), um extremo cuidado na composição dos planos, umas cores contrastantes, sempre acentuadas por um calor e sufoco omnipresente, a realizadora faz-nos entrar neste reduto disfuncional de uma família, que tenta resistir a todo o custo, como um enclave territorial, como uma Palestina ou mesmo uma Suíça, rodeada de países grandes e aglutinadores por todos os lados.

Algo nos remete para o surrealismo do Arranca Corações, de Boris Vian, aquela mãe, Clementine, que tenta proteger os seus três filhos gémeos, e resguarda-os do mundo, fechados dentro de um armário... Ou mesmo para o casulo de Julianne Moore, quando ela protagonizou a neurótica dona de casa, no filme Safe, de Tood Haynes. Tal como esta mulher descobre que tem uma alergia à poluição, aos ácaros, às partículas e ao mundo em geral, também esta família se vai desligando, e cortando as passagens – até as de ar.

A auto-estrada é uma passagem. Para esta família sitiada é um beco sem saída. O lar doce lar é agora um bunker, que começa a ter muito de tumular.

No final, há uma inversão da perspectiva. O ponto de vista era o da família que assistia ao mundo ruidoso, poluente e sujo a bloquear-lhes as saídas. Agora temos um travelling final, como se olhado de quem transita pela auto-estrada e, através do vidro do carro, repara na paisagem que desfila a 120 km/hora. E naquela insólita casa de janelas e portas emparedadas, mesmo na berma da auto-estrada. O verdadeiro on the road podia começar aqui.

1 comentário:

Mike disse...

kual era o kantor k tinha uma música k se chamava Live is a Highway? se kalhar servia de banda sonora para este movie, juntamente kom a do kapuchinho rouge ou dos 3 porkinhos. Eles komem tudop