sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A política é um jogo de râguebi


Invictus, de Clint Eastwood



Se tinha que ser feito um filme grandioso sobre Nelson Mandela, pois a personagem o justifica, ainda bem que sai pela mão de Clint Eastwood. Mas depois de Gran Torino, considerado por alguns (e por mim próprio) o melhor filme de 2009, Invictus desilude. Desilude a valer. Não é que a história não tenha potencial. Fingir que o destino de um país se disputa num jogo de râguebi é uma ideia, ao mesmo tempo, assustadora e cativante. Um dos melhores momentos do filme implicitamente sugere tal coisa. No camarote, enquanto estão a assistir à final do mundial de râguebi, Mandela propõe uma aposta com o primeiro-ministro da Nova Zelândia. O neo-zelandês estabelece as condições: «As minhas ovelhas pelo seu ouro».
Uma boa e significante piada. É o ouro ‘humano’ da África do Sul que está em jogo. Mandela percebeu que o país precisava de uma reconciliação entre raças e não de retaliações básicas, como mais tarde aconteceu no Zimbabué. A nação arco-íris começou por se jogar no springboks, a equipa nacional de râguebi, branca e símbolo do apartheid, que o presidente quis converter ao novo modelo de país.
Mandela é um dos raros heróis do nosso tempo, e Invictus é um filme heróico, com todos os defeitos que têm as obras do género. Praticamente sem nenhuma qualidade ou valor extra. É impressionante como Eastwood se deixou levar pelo facilitismo instrumental, numa estrutura banal e sem graça. Começando por um defeito básico: o excesso de exposição, o excesso de diálogo, como se tudo precisasse de estar claro e reforçado para que dúvidas não sobrem.
As informações estão sempre a ser repetidas. E não são muitas, porque na verdade não há muito a contar. Por exemplo, é dito três vezes de seguida que o novo regime tem que ser feito por todos, brancos e negros.
Morgan Freeman é Nelson Mandela. Diz-se isto assim porque qualquer pessoa que algum dia tenha pensado em fazer um filme sobre Nelson Mandela ter-se-á lembrado de Freeman para protagonista. Não há alternativa no star system americano: o único homem velho, negro e sensato de Hollywood.
Curiosamente há um ponto de contacto com Gran Torino. São formas diametralmente opostas de tratar questões raciais. Em Gran Torino é uma pequena história humana, em Invictus o futuro de um país. O final tem o dramatismo desportivo de um Fuga para a Vitória, mas estás uns furos abaixo, quase ao nível de um blockbuster. Não gostamos de ver Clint Eastwood por aqui…

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