terça-feira, 13 de outubro de 2009

Viver como uma mulher

Morrer como um homem, de João Pedro Rodrigues








Parabéns, a primeira curta-metragem de João Pedro Rodrigues, era um filme sobre a homossexualidade, mais concretamente, sobre a descoberta da orientação sexual de um homem, no dia do seu aniversário. Um grande pequeno filme, contado com estilo e simplicidade. A partir daí, ou seja, desde o início, que todos os filmes do autor podem ser exibidos em festivais de cinema gay, com a excepção da sua última curta, China China. Contudo, tal não significa que a homossexualidade seja sempre o tema (não o é nitidamente em Odete). Significa apenas que está presente de forma explícita nos seus filmes. Pelo que reduzir a arte de João Pedro Rodrigues à etiqueta de «o cineasta gay português» é confortável, preguiçoso, disparatado e, talvez, homofóbico.

Morrer como um Homem é o mais ousado dos filmes de João Pedro Rodrigues – não se assustem aqueles que se chocaram a ver O Fantasma e pensaram que mais explícito, visceral e repugnante do que isto só nas secções patológicas das sex shops mais abastadas. Fala-se aqui antes de um ousadia formal e cinematográfica, que faz Morrer como um Homem o melhor filme do realizador português. Parte de uma história verídica, a de Joaquim Centúrio de Almeida (de nome artístico Ruth Bryden), uma travesti da noite lisboeta, para construir uma película de uma humanidade rara e profunda, numa poderosa reflexão sobre a natureza humana, as relações, o corpo e o espírito.

É fascinante a colagem de estilos, sendo que, desta vez, João Pedro se mostra particularmente permeável, logo de começo, na sequência da «guerra», jogando ironicamente com as mais vulgares acepções de masculinidade sugeridas no título. Uma cena de mato, onírica, que lembra o universo do realizador e artista plástico Gabriel Abrantes, mas de forma muito menos tosca e mais conseguida. Aliás, em todo o filme há um valor metafórico para a expressão Morrer como um homem, que, de forma sublime, com uma ironia sábia, ganha sentido literal no fim. «Tanto trabalho para construir a Tonia e basta um dia e a Tonia acaba».

Desconcertante e surpreendente é esse lugar onírico que ganha peso lá para o meio da segunda-parte do filme. Uma espécie de suspensão do tempo, paraíso gay, com ares de retorno à infância, numa aproximação pouco esperada do universo de Miguel Gomes, em A Cara que Mereces. Um espaço de perversa inocência onde até se caçam gambozinos. Aquela estranha e bizarra Ilha dos Amores não é mais do que um prenúncio para o último canto, onde o filme conquista definitivamente e de forma exacerbada o espaço emocional, e se torna uma história bela e excessiva de amor e de morte.

Com esta estrutura disforme, que ajuda a tornar a obra fascinante, Morrer como um Homem é grande, em boa parte, graças a excelentes actuações. Em destaque, Fernando Santos, num desempenho perfeito e comovente, de um homem que é mulher ou de uma mulher que é homem. Note-se que a militância gay de JP Rodrigues é de tal ordem que não encontrou espaço para uma única mulher no elenco. Contudo fica claro, não obstante este facto, que é um filme menos segmentário, que se recomenda ao público em geral. Enfim, a maiores de 18 anos e a pessoas que não sejam demasiado susceptíveis.


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