Flammen & Citronen, de Ole Cristhian Madsen
Devem ser a dupla de dinamarqueses mais famosa, a seguir ao Rosencrantz e Guildenstern. Um tem nome de marca de carro, o outro tem nome da Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira. O filme Flammen & Citroen, do dinamarquês Ole Cristhian Madsen dá-nos esta oportunidade rara de ver a história da ocupação nazi, através de um ângulo diferente daquele a que nos habituámos. Através do percurso destes dois heróis da resistência escandinava, descortinamos algo que costuma ficar de fora dos filmes.
E ficam por aqui as oportunidades raras. Porque tudo o resto são as oportunidades habituais. Temos um filme de género, igual a tantos outros, em que se fala de nazis, resistência, guerra, conspiração, espionagem e contra-espionagem... Estão lá todos os clichés, até os contrastes de cor, como nos antigos noir. Até a loura fatal, que é espia, agente dupla, e o ponto fraco dos heróis que se julgam mais invulneráveis. E estes dois heróis estão quase a roçar o estatuto de anti-heróis (que é, diga-se um estatuto muito mais interessantes), mas não chegam lá. Falta qualquer coisa, que nestes casos é tudo, que não faz baixar a ponte levadiça que permite às emoções transitarem, de lá para cá.
Flammen é o resistente mais incandescente, arrebatado e tem o cabelo ruivo. Citronen é o resistente mais sólido, é moreno, tem um casamento afastado, uma filha que nunca vê, e anda sempre lustroso, do cabelo ao queixo. Um é luz, outro sombra. Uma espécie de yin e yang escandinavos, em que um completa o que falta no outro.
Ambos fazem parte da luta armada e têm a incumbência de matar colaboracionistas dinamarqueses envolvidos com os alemães. Têm de se haver com os assassinos nazis, mas também com a sua consciência que os torpedeia com rebates. Ser ou não ser assassino, quando, na realidade, assassinam. Por isso têm dúvidas e hesitações. Não as suficientes para tornar ambivalentes as personagens. Não são nada hamletianos, estes heróis da Dinamarca. Flammen e Citroen não se erguem da rasura de figuras cinematográficas. Nem se elevam das duas dimensões do intrincado tabuleiro de xadrez, onde tudo se joga, e onde as peças não podem ser só brancas ou só pretas. Nem os reis, nem os peões. Mas a ver, claro.
2 comentários:
Nem sequer sabia que existia uma resistência dinamarquesa. Será que também há histórias assim da resistência holandesa, sueca ou do liechenstein?
Alguns posts mais abaixo, um filme sobre a resistência argelina (A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo), comentado por Raúl Calado, na secção O Gosto dos Outros.
Ana Margarida de Carvalho
Enviar um comentário