terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pára ou a stôra dispara

O Dia da Saia, de Jean-Paul Lilienfeld





O stress pode matar. Em Um Dia de Raiva (1993), de Joel Schumacher, Michael Douglas é um cidadão comum que certo dia passa-se no trânsito. Em vez de apenas buzinar com o ‘vizinho’ da frente, abandona o carro no meio de um engarrafamento na auto-estrada e vai para casa, pelo caminho desata aos tiros. Entendemos aquela personagem. A tensão é tal, que à mínima faísca o barco explode.

Em O Dia da Saia, de Jean-Paul Lilienfeld, Isabelle Adjani é uma professora do ensino secundário numa turma problemática. Enfrasca-se em comprimidos antes de cada aula, para sobreviver ao martírio. E vive no limiar da sanidade, já pendendo para o outro lado, tal a violência das afrontas dos seus pupilos. Contudo mantém-se intransigente nos seus princípios: a escola é laica, a matéria é para ser dada e as professoras podem usar saia, sem que tal signifique uma provocação aos alunos. Num dia de excessos, descobre uma pistola na mochila de um dos alunos e, entre ameaças e contra-ameaças, ameaça-os. Empunha a arma e sequestra a turma (ou o que sobra dela) e… dá a sua aula. Calma e tranquilamente dá a sua aula, de Língua Francesa sobre Moliére. Assim mesmo, sem ser às três pancadas. A escola funciona à lei da bala. Ao longo destas horas de sequestro as personagens vão-se descobrindo, cada uma com as suas tragédias. Sem complexo de Estocolmo, alguns passam-se para o lado da professora. A miséria é tal que uma das alunas diz: «Eu queria ficar sequestrada para o resto da vida».

A professora faz reféns sem saber o que reivindicar. E acaba por exigir que o Ministério da Educação institua o dia da saia: uma vez por ano todas as professoras devem usar saia. Medida simbólica que significa uma recusa a limitações das liberdades sociais em nome dos perigos dos alunos. A professora não cede.

O Dia da Saia acaba por ser uma radicalização do discurso apresentado por Laurent Cantet, em A Turma. Um alerta máximo para a situação dos professores nas escolas mais problemáticas. No filme de Cantet, mostravam-se os desequilíbrios do sistema, em que todos os direitos pendem para o lado dos alunos. Aqui exagera-se o sofrimento dos professores ao limiar do insuportável, desenhando os alunos como delinquentes. Tal como Michael Douglas em Um Dia de Raiva, é inevitável compreendermos aquela professora desesperada e ficarmos do seu lado. Apenas uma ideia é perigosa: é certa a defesa da escola laica, mas o facto da totalidade dos alunos/delinquentes serem muçulmanos (serão os franceses inocentes?), pode criar a confusão ideológica de cruzada laica.

O filme de Jean-Paul Lilienfeld é sobretudo uma reflexão sobre uma escola (não só a francesa) a que tudo se exige. A certa altura o reitor resume o seu papel como o de bay-sitter social. O problema é complexo, mas está a montante. Para termos uma boa escola precisamos de ter ‘boas famílias’. E isso só se consegue com um trabalho social mais profundo, feito de raiz. Afinal, não é esta a França da liberdade, igualdade e fraternidade.

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Junntamente com esta longa-metragem passa a curta de António Ferreira, Deus não quis. Funciona como uma espécie de teledisco da canção popular Laurindinha (se ele vai para a guerra/ deixá-lo ir/ ele é rapaz novo/ ele torna a vir), colocando-a no contexto da Guerra Colonial. É um exercício imaturo, escolar e desinteressante, que naturalmente não interessou aos melhores festivais. Esta estreia soa a oportunidade desperdiçada, atendendo às dificuldades que as curtas portuguesas têm em passar em sala.


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