quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A força da (grav)idade

Nunca é Tarde Demais para Amar, de Andreas Dresen









É uma história de amor passada nos anos 80. Não na década, que isso nem mereceria especial referência, mas mesmo nessa octogenária idade (ou lá perto). É uma história sobre o desejo quando os corpos não têm nada de desejável. Nesta sua quinta longa, o realizador alemão avisou logo o seu elenco composto por egrégios avós: não queria «cenas de sexo tímido». E logo aos primeiros minutos temos uma cena revolta de peles flácidas e engelhadas, cabelos ralos e grisalhos, mãos cobertas de veias e sardas. Apesar destas injúrias da idade nos corpos, o realizador devolve-lhes a dignidade perdida. Diz-se que no princípio e no fim todos nos parecemos, esta é uma história de amor banal, em que uma mulher casada se apaixona por outro homem. Estes dois amantes têm conversas parvas, risinhos estúpidos, momentos de auto-contemplação, ápices de sexo urgente como quaisquer outros apaixonados... Estivessem eles nos primeiros alvores da juventude, ou nos derradeiros fulgores da velhice. No princípio e no fim, todos nos parecemos.

O realizador parece apostado em quebrar os estereótipos. Não só mostra uma história de amor minimalista na terceira idade, como ainda por cima, esta mulher reformada troca o seu velho marido, por outro homem ainda mais velho. Ao evitar o cliché, o filme de Andreas Dresen torna-se ele próprio um cliché (acentuado pela versão portuguesa do título – no original é muito mais críptico: Cloud 9).

O amor entre septuagenários não é propriamente novidade no cinema, e para quebrar um tabu não basta enunciá-lo. Porque ao desviar-se da armadilha de um estereótipo pode estar a cair noutro igualmente obtuso. O de que as pessoas mais velhas, ou doentes, ganham uma espécie de aura ou de decência acrescida, pelo simples facto de acumularem anos e rugas.

Claro que isso não retira todo o mérito ao filme, que cobre qualquer resíduo de voyeurismo ou de exibicionismo com um véu imagético de bom gosto e delicadeza. E de alguma contenção. É muito interessante o quotidiano parco em palavras, as rotinas económicas em conversas de um casal que vive junto há mais de 30 anos e que já não precisa de verbo para interagir. Basta-lhes o tacto ou um olhar. Ou o entrecruzamento das cenas com o coro, frequentado por Inge (Úrsula Werner), a personagem feminina. São estes os únicos momentos com banda sonora do filme, aqueles entoados por um coro de velhinhas que cantam puerilmente músicas exultantes (entre eles o Hino da Alegria, da 9ª Sinfonia de Beethoven), enquanto decorre o drama passional.

Também muito conseguida é a percepção transmitida pelo filme de personagens paradas num tempo que já não é o deles, num mundo que já não lhes pertence. E elas param enquanto os carros transitam, os aviões circulam, os comboios passam... Aliás um dos velhos (o marido traído) tem esta fixação de andar de comboio, e ficar ali sentado, enquanto o mundo, lá fora, desfila através das janelas. À excepção de uma cena mais histriónica, em que a mulher solta um medonho grito à Munch, debaixo de chuva, o filme conserva um tom contido, de uma constância assinalável, sem arestas, nem picos salientes de intensidade. E ganha muito mais enquanto permanece no registo minimalista e se foca nesta mulher que não esgota os seus dias a ver os comboios passarem. Ela embarca neles. Porque afinal, como dizia alguém, todos morremos do coração.

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