quarta-feira, 29 de julho de 2009

O homem que veio do nada...

Os Limites do Controle, de Jim Jarmusch




O homem que veio do nada... e continua para lado nenhum. No seu novo filme, Jim Jarmusch joga ao «cadáver esquisito» com o espectador

Primeiro erro: ir ver Os Limites do Controle (estreia-se hoje, quinta, dia 30), novo filme de Jim Jarmusch, como se fosse... um filme, e não uma espécie de puzzle cinematográfico. Segundo erro: tentar reconstruir o puzzle. Aquele que é considerado um dos realizadores mais obstinadamente indie não nos dá sequer a comiseração do encaixe. É uma daquelas obras que deixaria com os nervos em franja Robert Mackee, o guru americano do guionismo, para quem um filme se resume em três itens: «story, story, story». Os Limites do Controle ultrapassam os da paciência, se alguém cair na tentação do alinhamento lógico, ou da descodificação sequencial, ou sequer da busca de um sentido imagético. É só um aviso aos navegantes para não se ficar como náufrago agarrado à bóia da decifração, porque mais cedo ou mais tarde hão-de aparecer os tubarões do tédio e do sono.

Um conselho que, aliás, consta na citação de Rimbaud, antes do filme começar: «Ao descer rios impassíveis não me senti guiado por rebocadores». Abandone-se de vez este «Barco Embriagado» e mergulhe-se neste puzzle com os quatro cantos prefeitos, as linhas do enquadramento incompletas, a petulância de muitas peças soltas, alguns fragmentos desgarrados insuportavelmente pretensiosos e um meio cheio de vácuo, abstracção e silêncio. Como os quadros que o personagem principal (o franco-africano Isaach de Bankolé, já habitué dos filmes de Jarmusch ), vai visitar ao museu Reina Sofia, em Madrid.

Um misterioso forasteiro chega a Espanha, incumbido de uma também misteriosa missão. Sabemos que ele gosta de beber dois cafés expressos em chávenas separadas, de practicar tai-chi e está sempre a ser fustigado pelos outros por não saber uma palavra de Espanhol. Recebe instruções cifradas que lhe chegam dentro de caixas de fósforos, farta-se de engolir papeis secretos, de ver passar helicópteros, e de ouvir as considerações cinéfilas ou cientifico-filosóficas, e imensamente pedantes, sobre as moléculas, ou Shubert, ou a origem da palavra Boémia ou o sentido da vida em geral, proferidas pelos seres muito reflexivos com quem se cruza, ao longo do filme (Tilda Swinton, John Hurt, Gael Garcia Bernal, Bill Murray...)

«Se algum vez te sentires o melhor do mundo, vai ao cemitério e verás que a vida é um punhado de terra». Volta e meia o reconhecimento de um dejà vú. O tai-chi, os dois cafés expresso, os olhares, o helicóptero e algumas frases como esta (dita por um mafioso ou por um cantor de flamenco) vão aparecendo no filme, tudo é repetitivo e circular, como um refrão, ou um padrão num mosaico. O homem sem nome deambula, cheio de determinação, por estes lânguidos labirintos ( ou será através das circunvalações cerebrais de Jarmusch), e sempre que parece que estamos a chegar perto de algum cais de significado, o realizador coloca-nos novamente a bordo do «barco bêbado», e travessia errante recomeça, outra vez, sem rebocadores. Como se jogasse com o espectador uma espécie de «cadáver esquisito», o exercício colectivo surrealista, dos anos 20, para subverter o discurso convencional e desafiar a tirania do sentido.

A Espanha de Jim Jarmusch é uma terra de ninguém, um fim do mundo, às vezes mais urbano, outras mais desolado – e a cena em que se vê, através da janela do comboio, uma paisagem quixotesca coberta de moinhos de energia eólica talvez seja um dos momentos de maior fascínio visual (a fotografia é de Christopher Doyle) . De resto, podemos seguir neste barco descontrolado. Sem rebocadores. O filme é tão arbitrário como a realidade, diz-se no final. E citando Saramago num dos últimos posts do seu blog, «quem avisa não é traidor».

4 comentários:

Ladislau disse...

Os limites da paciência! é precisot er muita lata

Anónimo disse...

Quem não diz nada ao mundo nao se importa com o sentido das suas palavras ou, neste caso, filme! SE querem fortes mensagens imagéticas vejam fellini ou douglas sirk

Gustavo Lacava disse...

Gostei do filme: fotografia impecável. Como dito no início do filme, "o mundo não tem centro nem extremidades", as curvas são algo muito legal da imagética desse diretor.

Anónimo disse...

Gostei da crítica, mas o filme é meia-boca.