quarta-feira, 12 de março de 2008

Lisboa que amanhece

The Lovebirds, de Bruno de Almeida


The Lovebirds, de Bruno de Almeida, pode ter passarada, estrelas americanas, histórias noctívagas. Só não tem...Lisboa



É como nos prédios. No novo filme de Bruno de Almeida, The Lovebirds (estreia-se hoje, quinta-feira) há paredes mestras que sustentam um edifício. E outras de reboco pré-fabricado que servem de separadores, não só não sustentam coisa nenhuma como mostram indícios de eminente derrocada, à mínima vibração. Bruno de Almeida construiu a sua longa (uma encomenda da segunda edição do Lisbon Village Festival), rodada integralmente em digital, através seis fragmentos de histórias cruzadas, noctívagas e bilingues, com Lisboa em fundo e o casario de Alfama (o único que não ruiu no terramoto de 1755, refere-se no filme), durante uma e a mesma noite. Só que se algumas das histórias demonstram solidez, na narrativa e nas interpretações, outras têm a fragilidade da casota de palha do terceiro porquinho. Basta um sopro...

Numa das «histórias mestras» temos um americano (Michael Imperioli) que cruza o olhar com uma lisboeta no metro de Lisboa, e segue-a pelas típicas ruas de Alfama até a uma típica tasca, onde servem pratos do dia também muito típicos. Ana Padrão talvez não tenha um ar assim tão típico, mas convence com a mão na anca à Alfama e o seu inglês balbuciado. É bem conseguida a cena em que Imperioli tenta confraternizar à mesa com uma família... tipicamente lisboeta (onde até não falta uma velhinha de lenço preto), entre vinho e enchidos. São este homem e esta mulher os mais lovebirds do filme. A seguir são o realizador Fernando Lopes e o actor Rogério Samora. Ou Fernando Lopes e Nick Sandow, que faz de boxeur profissional. Ou Fernando Lopes e Joe Berardo, que faz de produtor. O realizador, a quem, aliás, Bruno dedica o filme, faz de si próprio. De regresso ao ringues, 44 anos depois de Belarmino, Lopes fuma, fala da sua «hérnia fiscal», diz que no cinema também ele foi ao tapete várias vezes, dá os seus proverbiais conselhos acompanhados das ainda mais proverbiais palmadas carinhosas aos actores. E pousa ternamente a cabeça no ombro de Berardo, o produtor que lhe nega dinheiro com sotaque anglo-madeirense...

Com estas duas, concorrem outras histórias mais frouxas. Um jantar de amigos onde a anfitriã e uma grávida se tratam por «miga», como a Denise e a Maria Delfina da TSF... Um arqueólogo americano que teima em não sair do buraco da História... Dois gatunos estrangeiros que vieram ganhar a vida para o Bairro Alto (excelente ideia!), e andam por aí a discutir em que sofá um deles passará a noite... Uma penosa caricatura de uma nova-iorquina que chega de cãozinho ao Hotel Altis e deixa Joaquim de Almeida de cuecas, à conversa com o barman Rui Morisson... E finalmente, o taxista de leste que mata uma prostituta brasileira e depois anda às voltas no Rossio para levar a parturiente do anterior jantar ao hospital...

Bruno de Almeida, realizador português, residente em Nova-Iorque, é amigo de Drena de Niro (a filha do actor) e dos exs- Sopranos Michael Imperioli e John Ventimiglia, e também de Fernando Lopes, de Joaquim de Almeida, de Manuel João Vieira (realizou o documentário O Candidato Vieira, em 2004). Também o foi de Amália Rodrigues (é autor da celebrada série Amália, Estranha Forma de Vida, transmitida pela RTP, em 1995)...
Em apenas duas semanas, Bruno rodou este filme, de baixo orçamento, em 30 décors, com 12 actores principais e mais 20 secundários – alguns vieram dos EUA sem qualquer remuneração. Entre este show-off de estrelas e o cliché de uma Lisboa do Galo de Barcelos, das tascas, e de Alfama, as diversas narrativas estão bem costuradas, fragmentam-se na dose certa e são captáveis às iniciais pinceladas. Mas não deixa de ser um filme de amigos... para amigo ver?

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