sexta-feira, 7 de março de 2008

Beleza de salão

Caramel, de Nadine Labaki



«(...)
A beleza do erro
Puro do engano
Da imperfeição
(..)»
in Salão de Beleza, de Zeca Baleiro


O salão chama-se «Si Belle» – e, espalhados pelo mundo, deve haver milhares de salões de beleza chamados assim. Onde se fazem permanentes, mises, brushins, depilações, colorações e essas mesmas coisas que todas as mulheres do mundo fazem. Só que este é um salão de beleza que fica em Beirute. Fica em Beirute e tem o «B» tombado. E este mínimo desabamento ortográfico é o único indicativo de que estamos numa das mais sovadas cidades do médio-oriente, moída de bombardeamentos, conflitos e mortandades. De resto, deixamos os escombros e as crateras dos mísseis na esfera da invisibilidade e concentramo-nos no mundo dos secadores, lacas e das depilações caramelizadas – no Líbano, usa-se caramelo em vez de cera e as esteticistas costumam prová-lo antes de o aplicarem nas pernas das clientes.

É um mundo caramelizado, este, apresentado na primeira longa da realizadora/actriz Nadine Labaki, candidata ao Óscar de melhor filme estrangeiro. Um mundo à prova de bala. Onde não entra a guerra nem os conflitos religiosos. Também não entram homens (em princípio) mas eles são convocados a todo o momento. Cinco mulheres povoam este micro-cosmos. Uma depiladora que tem um caso com um homem casado. Uma cabeleireira que prefere mulheres (oficialmente a homossexualidade não existe no Líbano); Outra que está à beira de se casar, tem um noivo muçulmano e faz uma operação para reconstituir o hímen (prática recorrente num país onde a virgindade é um valor sagrado); Uma cliente habitual que já entrou na menopausa mas simula a menstruação; E, nas redondezas, ainda há uma costureira que perdeu a juventude ( e o amor) para tomar conta de uma irmã louca que anda pelas ruas a recolher papéis e multas de estacionamento...

Pouco importa se umas são cristãs, outras muçulmanas. Os preconceitos não têm credo. Nadine escancara as portas de um salão de beleza, ilumina todas essas misteriosas actividades a que se dedicam as mulheres neste mundo de (im)perfeições. Porque mesmo numa sociedade macerada, a cosmética pode fazer sentido. E até num contexto de morte a trivialidade faz parte da vida. Caramel é um filme em diminutivo, com uma coerência cromática também ela muito caramelizada. Que mostra uma hábil e sedutora desenvoltura na construção das personagens femininas. Todas elas conciliam o inconciliável de se ser chica de Almodôvar numa sociedade orientalmente patriarcal. Só prova que, às vezes um cliché, também pode servir para quebrar outro cliché.

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