quinta-feira, 17 de maio de 2007

Lá que as há, há...

A Educação das Fadas, de José Luís Cuerda


A Educação das Fadas é um filme bom para cardíacos. Como aqueles mares sem rugas, de arrasar os nervos aos surfistas que flutuam desconsolados, sem vaga no horizonte.

Na cartilha do mau show humorístico existe uma regra para descongelar plateias: quando tudo, mesmo tudo, falha é altura de pôr um tipo vestido de mulher a levar com um bolo na cara. O expediente pode não ser do mais fino gosto. E já estamos no domínio do humor sobre o humor. Mas sempre é um expediente, um recurso. O último. A Educação das Fadas, do espanhol José Luís Cuerda, é um filme bom para cardíacos. Como aqueles mares sem rugas, de arrasar os nervos aos surfistas que flutuam desconsolados, sem vaga no horizonte. É isto que faz o espectador. Flutua, mais aborrecido do que desconsolado, neste mar de estereótipos. Que não só não tem vagas no horizonte, como não tem sal, nem... profundidade. A acção é tão previsivelmente monótona, quanto as personagens são monocordicamente boazinhas. Nem todos têm de fazer filmes-tsunami, mas ao menos uma ondulaçãozinha que fosse. E ao fim de meia hora de filme já nem acreditamos que algo consiga agitar as águas. Nem um «bolo na cara», que seja.

O filme tem um bom arranque. Música (original, de Lúcio Godoy), bonita e um genérico interessante. Um tabuleiro de um jogo para crianças chamado «Nuestro Mundo», de várias peças com desenhos naives. Há um camelo, uma cidade, uma vaca, um telemóvel, um repolho... O nosso mundo, em suma, explicado aos mais novos. Depois, há um homem (Ricardo Darín, o actor argentino do momento), que, num avião, repara numa mulher (a francesa Irene Jacob). Em seguida, repara que esta mulher, como disseram os Gato Fedorento no programa passado, «já vem com brinde»: um filho de sete anos (Vítor Valdivia). Ele arranja um estratagema engraçado para os conhecer e, pronto... serão os três dramaticamente felizes para quase sempre. Dramaticamente felizes, dramaticamente piegas, dramaticamente maçadores. Ele é inventor de brinquedos, o que parece interessante, mas o filme, para além do genérico, nada extrai deste potencial narrativo. Ela é ornitóloga, traça os «mapas olfactivos» dos pombos, mas para além das cenas passadas dentro da «jaula» dos pássaros, também daqui não tira partido. O menino acredita em fadas, tem pensamentos mágicos e dores de crescimento.

Há passarinhos, uma casinha no bosque, são todos muito amiguinhos e outras coisas terminadas em «inho»... E o pior ainda está para vir, quando aparece a anunciada fada. Lá que as há, há... Mas no filme de Cuerda não são azuis como as do Pinóquio, nem sexagenárias e esvoaçantes como as da Bela Adormecida. Esta é muito magrinha, imigrante argelina, caixa de supermercado, vítima de assédio sexual no local de trabalho e também muito boazinha. Pensando bem, esta é uma fada (a cantora Bebe) de fado. Tem perfil de desgraçadinha (irresistíveis os «inhos»). Tem o destino traçado. E tudo isto é triste. O namorado engana-a, o patrão violenta-a, os amigos do namorado partem-lhe umas costelas, na Argélia uns violadores fizeram-lhe umas cicatrizes na cara para ela aprender a usar véu, e, ainda por cima, não consegue a bolsa de estudo. É uma moura de pancada (existe a expressão?). E quando o protagonista, sem querer (sim, porque ele é muito bonzinho), lhe dá uma pancada na cabeça que a deixa desmaiada, ela responde: «Não faz mal, já estou habituada». É que também os polícias da Argélia, ó inclemência, ó martírio, lhe haviam partido a cabeça à cacetada, várias vezes...

Os actores bem franzem os olhos, o argumento bem puxa ao sentimento, mas no final, esta co-produção espanhola, francesa, argentina e portuguesa, não tem o condão, nem a varinha, de despertar alguma emoção. Como diria Diniz Machado, tudo sabe àquilo que não tem sabor quando estamos constipados.

Cabe a Irene Jacob, a actriz que ganhou um prémio em Cannes e ficou famosa por ter entrado em filmes de Kieslowski (A Dupla Vida de Véronique) e que ultimamente esteve em Portugal a filmar com Auster, protagonizar a reviravolta do filme. Decide que quer acabar com o casamento, mas ninguém percebe as suas razões. Arriscamos uma: será tédio?

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