sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Cuidado com o cão


Bombon, el perro, de Carlos Sorin

A Rua, de José Filipe Costa







Por vezes são os melhores amigos dos homens, mas também podem ser animais ferozes. Cuidado com o cão, dizem os letreiros. Mesmo que o cão seja manso como um gato, assusta os assaltante de meia tigela. Os outros avançam por afiados que sejam os dentes. O cão é o animal doméstico por excelência. E também o animal de guarda e de caça. Os cães no cinema são muitíssimos. E aqui ficam mais dois, de uma dentada só, porque são os dentes dos cães que unem filmes distantes: Bombon, el perro, do argentino Carlos Sorin, e A Rua, a curta-metragem de José Filipe Costa.

Em relação ao primeiro, a pergunta que se faz é: será possível fazer uma versão familiar de Amores Perros (2000), de Alejandro González Iñárritu? Bonbom, el Perro, filme de 2004 que só agora se estreia entre nós, é de uma leveza constrangedora. Em plena crise argentina, um cinquentão, que perdeu o seu emprego numa bomba de gasolina, deixa-se levar como uma folha ao sabor do vento pelas pequenas coincidências da vida, sempre com um sorriso estampado na cara, transformando a grande depressão argentina numa onda de optimismo, num problema que se há-de resolver como todos os outros. É um coração de ouro, um bom samaritano, num mundo hostil, mas não muito. Reage com esse mesmo sorriso a todas as situações, à corrupção policial, aos desaforos da filha, à frieza do homem do centro do emprego, à simpatia das mulheres da quinta, ao cão que lhe morde. E de sorriso em sorriso vai vencendo a vida.

A personagem poderia ser um cantiflas, se tivesse um pouco mais de graça, mas aparece simplesmente como um anjo que triunfa no desespero. O filme ficou assim… alegrete, mas pobrezinho, sendo a sua maior valia o ritmo da cadência de acontecimentos, essa concepção de novelo de vida, de como umas coisas conduzem a outras, sabe-se lá como. Mas um filme menor. Nada que se compare com grandes obras recentes vindas da Argentina, com destaque para A Mulher sem Cabeça, de Lucrecia Martel. Aliás, a estreia tardia desta obra em Portugal é surpreendente e imagina-se que se deva mesmo ao cão, que liga com o cão de A Rua. Um terá escolhido o outro.

A Rua, de José Filipe Costa, é um filme de apenas oito minutos, em que o cão serve de alegoria. Um casal, da classe alta, à espera de um filho, que acaba de se mudar para uma casa no campo. Foge do mundo. Mas o mundo corre atrás deles. E não há incubadora que os proteja. O cão aparece aqui como um símbolo maior do medo, de todos os medos, sobretudo o medo do outro.

Saúde-se a aposta em cinematografias distantes e menos conhecidas, em nome da diversidade de opções, por uma nova distribuidora, a Bosque Secreto, que começou muito bem, com De Profundis, a primeira longa-metragem do fabuloso autor de BD galego Miguelanxo Prado.

Bombon, el perro, de Carlos Sorin

A Rua, de José Filipe Costa

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