domingo, 28 de dezembro de 2008

Três dos melhores filmes...

... do ano e ainda outro... irrelevante (e sobre os quais não escrevi antes por manifesta falta de tempo/espaço, mas até ao final de 2008 ainda está dentro do prazo, acho eu...)

O Barão Trepador
Caos Calmo, de Antonello Grimaldi




Caos Calmo é um daqueles filmes que nos fazem ganhar o dia. Não é uma obra de Nanni Moretti – a realização é de Antonello Grimaldi, e baseia-se no romance premiadíssimo de Sandro Veronesi – mas podia ser. Não só pelo retorno ao tema da perda e do pós-abalo familiar (Quarto do Filho, em 2001, ganhou a Palma de Ouro em Cannes). Mas por ter lá dentro imensos ingredientes morettianos – ele interpreta e co-escreveu o guião. E vemo-lo nas suas suspensões reflexivas, nas cenas de diálogos nos carros, muito típicas dos filmes de Moretti, na forma subtil com que se encaixam política italiana e dramas familiares, até nos simples gestos, como o de uma criança a construir um puzzle – ou a encontrar ordem no caos – que sempre leva os adultos a parar e a querer ajustar mais uma peça. Mais ao menos o mesmo acontecia em O Caimão, quando uma mãe e um pai, Sílvio Orlando, (um actor sempre tão presente nos filmes de Moretti) andavam de gatas pelo chão, entre um mar de paralelepípedos de Lego, à procura da peça certa...

E esta também é a história de um homem à procura de uma peça. Precisa dela para voltar a ordenar o seu caos. Consegue mais do que isso. Enquanto mergulha no caos, consegue criar todo um cosmos, cheio de quotidiano lá dentro. E é aqui que ele encontra a ordem. E é aqui que ele completa o puzzle mesmo sem a peça irreversivelmente perdida.

No mesmo momento em que salva uma estranha de morrer afogada, Pietro (Moretti) perde a mulher, num acidente, na sua casa de praia. A simultaneidade dos acontecimentos traz já de si qualquer coisa de filosófico, ou antes de prenúncio sofocliano. E neste paradoxal balanço entre o caos e a calma, Pietro toma uma decisão. Parecida àquela que Cósimo tomou, quando em O Barão Trepador, de Italo Calvino, num gesto de obstinada revolta decide viver no alto das árvores e nunca mais pisar o chão – e é aí nas copas que reconstrói o seu mundo.

Um dia Pietro vai levar a filha à escola e decide ficar à porta à espera o dia todo que ela volte a sair. Assim passa os dias, à porta da escola. Cria um novo cosmo (micro), um novo espaço – e aquela praceta torna-se uma espécie de personagem colectiva. Amena, pacata, habitada por gestos prosaicos mas cheios de poesia. Há a rapariga que passeia o cão todos os dias, o rapaz mongolóide que sorri com os piscas do carro, o vizinho que passou a varrer tudo obsessivamente depois de enviuvar, o dono da tasca que tempera demais o esparguete... E há todos os personagens que gravitam em torno de Pietro, o irmão modelo, a cunhada, a mulher que ele salvou, a secretária, os colegas de trabalho problemáticos que não lhe vêm dar condolências mas confidências... E até Roman Polansky passa por lá...

Este é seria um filme interessante para analisar na aulas de argumento. Porque todas as portas que se abrem no guião, são fechadas logo a seguir. Pietro não irá por aí. Nem por uma relação recuperada com a cunhada neurótica, nem por uma busca pelo passado oculto da mulher (apaga os e-mails), nem pelas comunidades de auto-ajuda para pais (nunca mais lá volta), nem por supostos encontros com a rapariga do cão (só trocam olhares e um único abraço), nem por uma conotação fácil com a reversibilidade dos palíndromos que a miúda aprende na aula, nem por um romance com a mulher salva (têm uma cena de sexo – a tal que foi tão comentada pela crítica – e que parece tão deslocada do resto do filme que chegamos a duvidar se aconteceu mesmo...). Este Cosimo de terra firme – e ainda assim em suspensão – limita-se a fazer mentalmente listas: das companhias de avião em que já viajou, das moradas onde já habitou, das coisas que não sabia sobre a mulher morta, dos sítios aonde nunca mais quer voltar... Limita-se a reordenar-se outra vez. E a parar.

No fundo, é como aquelas coisas que as pessoas costumam dizer, quando alguma desgraça acontece: a vida continua. Pois continua, o mundo não pára, Pietro conseguiu parar.
Quatro noites com Anna, de Jerzy Skolimowski



Três Macacos, de Nuri Bilge Ceylan
O melhor filme do ano

Amália, de Carlos Coelho da Silva
Amália Rodrigues pode não ter tido uma biografia cinematograficamente interessante – cabia ao argumento torná-la interessante. No mínimo...

Sem comentários: