quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Imperdoável

A Troca, de Clint Eastwood



Tudo o que não se perdoa a Clint Eastwood nesta Troca que tinha tudo para ser um filme admirável




Se houvesse uma teologia dos filmes, o pecado de A Troca era o menos mortal de todos. É mesmo uma espécie de gula cinematográfica mas sem consequências gravosas para o colesterol. Nem há adiposidades, nem excesso de calorias, muito menos diabetes. A Troca (estreia-se em Portugal em Janeiro) não é de todo um filme obeso. Apenas nos dá a sensação de termos tomado todas as refeições do dia numa só. O que não facilita a digestão.

O filme segue mais ou menos a estrutura narrativa dos anteriores ao díptico sobre Iwo Jima (2006), Mystic River e Million Dollar Baby: um arranque fantástico, uma excelente definição de personagens e um desenlace em que tudo o que se previa que podia correr mal, corre ainda pior. Trata-se de um drama sem «melo» (embora a banda sonora composta pelo próprio Eastwood seja sempre uma surpresa), com um plot poderoso: nos finais dos anos 20, em Los Angeles, uma criança é raptada. Cinco meses depois, a polícia anuncia à mãe (Angelina Jolie) que recuperou o filho, mas quando esta vai ao seu encontro apercebe-se de que lhe querem devolver outra criança: «Este não é o meu filho». «Dou-lhe a minha palavra que é», diz a polícia, com um olho nas hierarquias e outro na comunicação social. E força aquela mãe a regressar a casa com o menino errado.

E esta premissa é tão forte que qualquer afastamento em direcção a outros subplots só faz o filme perder a energia. Porque Eastwood não está nada interessado em explorar qualquer tipo de ambiguidade, mostra-nos desde logo que aquela não é a criança certa. Este não é o tipo de filme em que a mãe começa a duvidar do seu próprio juízo, como uma Jodie Foster que perde a filha a bordo de um avião em pleno voo. Eastwood não está nada interessado em gastar tempo e película com a equívoca relação entre a mãe e aquele putativo filho. Rapidamente introduz em cena um pastor – de almas – que prega contra a impunidade da polícia – e vemo-nos dentro de um filme negro sobre corrupção policial em Los Angeles, do tipo Chinatown. Em seguida a mãe enganada é remetida para um hospício, e passamos à fase Voando Sobre Um Ninho de Cucos. Depois, entramos num filme de terror com uma quinta cheia de objectos cortantes e crianças engaioladas por um psicopata, como o homem mau do Pinóquio que capturava as crianças para as transformar em burros (lembram-se?). E por fim, temos um clássico thriller de tribunais. E tantos filmes dentro do filme não o fortalecem: asfixiam-no.

Trocado em miúdo
Tudo isto embrulhado numa reconstituição de época perfeita da cidade dos anjos, um filme todo ele de um convencionalismo inatacável, no sentido de clássico, de cumprir rigorosamente as convenções, os ritmos certos, os turning points, as respirações, os momentos de suspense... E um casting também... quase perfeito. É que por mais estonteantemente bonita que seja Angelina Jolie, não é fácil encaixar a sua beleza exótica (quase alienígena) na pele de uma mãe solteira suburbana, de doce supervisora patinadora numa central de telefones. Ela e o seu baton vermelho agudo. Já em Coração Poderoso (curiosamente aí procurava um marido desaparecido), Angelina teve oportunidade de chorar e gritar furiosamente. Só que a sua gama de expressões faciais dramáticas não vai muito além do arregalado-número-um e do arregalado-número-dois. E quando contracena com o reverendo (John Malkovich), ou com o polícia desonesto (Jeffrey Donovan), ou com o psicopata (Jason Butler Harner), ou com a prostituta (Amy Ryan que há pouco tempo protagonizou uma mãe que também perdia a criança no desinteressante Gone Baby Gone), claramente são todos eles que tomam conta da cena. Imperdoável.

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