sábado, 23 de fevereiro de 2008

Parto sem dor

Juno, de Jason Reitman



É um filme fenómeno, este Juno, destes que aparecem ciclicamente e que arrebatam críticos, comprazem públicos e geram lucros dez vezes superiores aos custos. Uma comédia independente, grávida de diálogos espirituosos e referências pop. E que, à boleia da sua banda-sonora e dos sound-bytes de uma heroína adolescente, tem criado nos EUA uma Juno-mania benigna. Não há dúvida de que Ellen Page é uma boa actriz. Os artistas são bons artistas. E de que Juno é uma boa e singular personagem – uma teenager cáustica, de t-shirts largas, camisas e cachimbo não é propriamente habitual nas adolescentes dos filmes americanos: normalmente ou são majoretes ou lolitas; ou assombradas ou histéricas; ou usam óculos ou têm sardas e aparelho nos dentes... Não há dúvida de que Juno é um feel-good movie. Que o adorável dueto dos Moldy Peaches, Anyone Else But You (tema sugerido pela própria Ellen Page), ajuda imenso. Que o guião consegue conferir um olhar de comédia à tragédia que é uma gravidez acidental aos 16 anos. Que desdramatiza o assunto – aliás, a protagonista anuncia à amiga a sua inicial intenção de fazer o aborto através de um telefone em forma de hambúrguer e chama «macaco marinho» ao embrião que cresce dentro dela. E toda esta benignidade torna-se, pelos vistos, um bom despoletador das condescendências das comunidades fílmicas.

Juno é um bom filme, sim, mas na tabela das comédias adolescentes. Os americanos em geral e os públicos da pipoca em particular estão, de facto, muito pouco habituados a comédias que se elevem do humor balofo, das personagens estereotipadas, do guião previsível como a meteorologia no Pólo Norte. E da parvoíce repisada, das piadas gastas e da acefalia do costume. Por isso, deslumbram-se com filme como Juno, que além de divertidos e vivaços, transportam consigo a aura da produção independente. Juno desempenha nesta edição dos Óscares o mesmo papel de Litlle Miss Sunshine (Uma Família à Beira de Um Ataque de Nervos). Candidato a Oscares major, sem a menor hipótese da ganhar, inofensivos, ajudam a compor o ramalhete, e a mostrar como a academia até é benevolente com as pequenas produções.

A Juno tem um nome improvável, e acontece-lhe algo também improvável, que só «costuma acontecer às professoras e às mães». Aos pais nem lhes passava pela cabeça que a filha fosse «sexualmente activa» (detestável expressão, concordamos com Juno). Na verdade, tudo nasceu da inactividade de uma só noite de tédio. O pai do futuro bebé é um miúdo imberbe e tímido, que adora correr e pastilhas Tic Tac laranja. Não há dramas, Juno «lida com coisas muito para além da sua maturidade», mas é a mais pragmática das adolescentes e resolve dar a criança a um casal adoptante - ela uma yuppie maníaca da arrumação, ele um autor de gingles publicitários que gosta de slasher movies e de discutir música com Juno. A descontracção, quase amoral, com que se aborda um tema que podia facilmente escorregar para a hipocrisia moralista é dos aspectos mais interessante do filme. E assemelha-se à também divertida comédia Um Azar do Caraças (título tremendo), há poucos meses em cartaz, em que um casal, que mal se conhece, engravida e também resolve ter a criança. Ainda assim, Juno, do canadiano Jason Reitman não resiste aos eternos planos dos alunos a remexer nos cacifos dos corredores, como sempre acontece nos filmes com personagens frequentadores de liceus. Ou a usar o estafado tema Beja Me Mucho, quando se fala da aula de espanhol... As personagens sofrem daquilo a que se pode chamar hiper-definição. Ou seja, estão tão caracterizadas, e há tanta preocupação em carregá-las de qualidades distintivas, e em afastá-las da planura do estereótipo, que as personagens acabam por cair no outro extremo e na inverosimilhança da caricatura. E mais parecem actores saídos da stand up comedy, a proferir punch lines em linha de série.

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