quarta-feira, 28 de maio de 2008

Goodbye Irena

A Desconhecida, de Giuseppe Tornatore




Tudo é conhecido neste regresso de Tornatore. É conhecida a sua tão bem sucedida relação com o melodrama. É conhecida a sua afinidade musical com Ennio Morriconne. Até é conhecido – apesar de irreconhecível – o actor que faz de malvado (Michele Plácido: sim, o inspector Catani de O Polvo). As causas de tamanho colapso cinematográfico também são... reconhecíveis. Desconhecida só mesmo a personagem deste filme, Irena, uma ucraniana (a actriz é russa) emigrada em Itália, vítima de exploração e tráfico. Mas se este «desconhecimento» é potenciado no sentido de criar algum mistério, tensão e suspense na primeira parte do filme, na segunda Tornatore ilumina com faróis máximos aquilo que nunca deveria ter saído da média luz. E este excesso de claridade é fatal – mesmo para os menos foto-sensíveis.

O colapso do filme não é imediato. É mais um desmaio lento, até termos a certeza de que já não há reanimação possível. Sem qualquer subtileza hitchcokiana, mas ainda assim mantendo um dinâmico registo conspiratório e de tensão, a narrativa está construída através de flash-backs da vida passada da ucraniana: apenas instantes, fragmentos que se vão alongado e encaixando. As peças até podem encaixar, mas o resultado do puzzle é tão insatisfatório que dá vontade de desmanchar tudo, outra vez.

A história podia resumir-se assim: uma mulher quer cortar com o passado mas o passado é que não corta com ela. Irena cai aí, nesse poço da humilhação e da escravidão sexual, mas consegue levantar-se. É a metáfora do filme, tão perturbantemente sublinhada na cena em que a mulher atira ao chão, repetidas vezes, uma miúda sem reflexos, para a ensinar a levantar-se.

É talvez o momento mais conseguido do filme. Este e aquele em que Irena tem a urgência de copiar uma chave alheia e há que tirar senha e aguardar. Tornatore consegue criar o efeito de cravar os pés no chão, mas falha rotundamente naquele em que estaria supostamente mais à-vontade: o de comover. Há pistas falsas demasiado óbvias, cenas de violência sexual filmadas com um erotismo incoerente, personagens inúteis (o que faz no filme aquele senhor de barba que passa o tempo a lançar olhares insinuantes), e situações de um ridículo pungente, de uma luminosa (e pirosa) paixão, de um artificialismo indesculpável, de uma patetice medonha. O que dizer da cena em que a pobre mártir, fustigada por fantasmas do passado e do presente, é espancada por dois pais natais debaixo de um benevolente nevão? Às tantas parece que estamos na mais improvável das combinações, algures entre o drama familiar de A Mão Que Embala o Berço e as orgias sexuais de De Olhos Bem fechados. O desfecho (uma espécie de prólogo) é inenarrável. E não se preocupe quem, pelo post, não apanhou bem a história. Neste filme também cabe o longo, expositivo e muito explicadinho monólogo final...

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