quinta-feira, 28 de junho de 2007

Tudo aquilo que os homens não sabem sobre as mulheres – nem querem saber

O Mundo das Mulheres, de Jon Kasdan

O Mundo das Mulheres é um filme honesto, simples e «quase, quase» interessante



«Vou desistir das viagens do tempo e concentrar-me antes no outro grande mistério do universo: mulheres». A frase é do Regresso ao Futuro II. E, diz o Jon Kasdan, realizador e argumentista de O Mundo das Mulheres, «essa deixa mudou a minha vida». Lamentavelmente (ou não), o primeiro filme deste outro Kasdan (Jon é filho do veterano realizador Lawrence Kasdan), não perscruta algum mistério cósmico nem indaga dos insondáveis enigmas da humanidade – sejam eles quais forem. O filme de Kasdam apenas se limita a atravessar a rua e entrar na casa dos vizinhos. E isto não é nenhuma viagem intergaláctica, mas já é tão longe. Kasdan abeira-se das profundezas desses abismos negros das relações entre as pessoas. Mas na verdade, fica apenas na borda do precipício. Nunca ganha coragem de mergulhar lá para o fundo.

O Mundo das Mulheres é um daqueles «filmes-quase». «Quase» que chega a ser comovente. «Quase» que chega a ser divertido. «Quase» que resvala para o filme de Verão. «Quase» que atinge a densidade de personagens reais. «Quase» que consegue entrar nessa zona sombra, proibida e inexplorada, das amizades que não são amor, mas são «quase, quase»...

A certa altura há uma velhinha senil (Olympia Dukakis) que sucumbe agarrada ao comando da televisão. A morte interrompe-lhe um episódio do Seinfeld, a famosa sitcom sobre nada. Onde cabia tudo. Em O Mundo das Mulheres «quase» que cabia muita coisa. «Quase»...

Carter Webb (Adam Brody) é um guionista de Hollywood de filmes pornográficos softcore (os hardcore não necessitarão de guião nem de muitas palavras, suponho). Tem 26 anos e é deixado pela namorada logo na primeira cena. O que é sempre um bom começo para um filme. Todos sabemos que os fins de algo são sempre princípios de outro algo, e que as rupturas dão em aberturas... Nós sabemos, mas o protagonista ainda não. Portanto, uma avozinha doente e em apuros parece-lhe um bom pretexto para se evadir, e assim recompor as ideias e o desgosto. Chegado aos subúrbios de Michigan (bastante paradisíacos para os nossos moldes), acaba por se envolver na vida das mulheres da casa em frente, mãe e filha. E por ver como a sua desgraça amorosa se apequena, enquanto os dramas vizinhos se agigantam.

Carter é o vértice mais alto deste triângulo. Dos lados estão Sarah, uma quarentona, enganada pelo marido, dona de casa e de uma vida demasiado «linear e confortável» (Meg Ryan) e a sua filha mais velha, Lucy, uma adolescente difícil e revoltada (Kristen Stweart). Ainda na fase de apresentação das personagens surge-nos a filha mais nova, uma menina precoce que gosta de yoga e de estar bem informada sobre as fofocas dos mais velhos. Ela diz à irmã: «Tenho de viver através de ti. Sou demasiado nova para ter vida própria». A certa altura «quase» que ficamos com a sensação de que a mãe também quer viver outra vida (e outros amores) através da filha adolescente. Mas ficamos, e bem, na ambiguidade do «quase»... Kasdan tem o bom senso de não tornar este num daqueles «filmes-e-agora-vamos-ver-quem-fica-com-quem...»

Deslocalizado das luzes da ribalta de Hollywood, Carter tem uma amargura para desabafar. Mas de confessor acaba confidente do que vai na alma de mulheres de gerações diferentes: uma filha, uma mãe e uma avó. E o filme mostra-nos como a capacidade de ouvir ou de simplesmente estar lá pode fazer a diferença na vida das outras pessoas.

O Mundo das Mulheres chega-nos cheio de ressonâncias involuntárias. O apelido Kasdan remete-nos para o pai, Lawrence Kasdan e para Os Amigos de Alex (1983), onde também havia um casting perfeito, uma morte congregadora e uma banda sonora arrebatadora, cheia de efeitos narrativos. Adam Brody faz aqui o seu primeiro e notável papel principal – ele é protagonista da série The O.C., em exibição no canal Fox. Kristen Stweart é uma teenager de carne e osso, com um olhar duro, impenetrável, quase agreste e, ao mesmo tempo, tão vulnerável. David Fincher descobriu-a primeiro para fazer de miúda diabética, filha de Jodie Foster em Panic Room (2002). Meg Ryan é Meg Ryan, após a recauchutagem estética de que falam as revistas.

Pena a derrapagem completa na personagem da avó (quase) moribunda. Kasdan não acerta no registo, não sai da caricatura. E faz da actriz Dukakis uma patetinha de cabeleira branca que passa o filme a dizer punch lines.
De resto, «quase» que se sente a química entre os actores, «quase» que nos deixamos levar por aqueles passeios de gente normal que conversa nos jardins e nos supermercados, «quase» que sentimos o afecto que Kasdan nutrirá pelas suas personagens, «quase» que nos rendemos às boas intenções cinematográficas do realizador. O Mundo das Mulheres é um filme honesto, simples e «quase, quase» interessante.

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