segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A expiação que veio do calor

Expiação, de Joe Wright






Sem orgulhos nem preconceitos, os melodramas também têm direito à vida, seja no alto do Empire State Building ou num aeroporto marroquino. Melodrama é um género cinematográfico, legítimo como os outros. À partida esperamos duas coisas: que a música seja enfática, manipuladora da comoção, indutora da consternação e que o casal do filme seja convincente, ou minimamente competente nessa tarefa de fazer com que o espectador se interesse pelo destino dos seus amores contrariados. E reduza assim as doses de imunidade adquirida contra a pieguice. Mas os pontos que Expiação conquista na secção «melo», desconta-os na parte «drama». A banda sonora (que ganhou um Globo de Ouro e foi nomeada para Óscar), de Dario Marianelli, é uma daquelas fantásticas músicas de filme que só aparecem de tempos a tempos. Não só a melodia, também a forma como ela se funde, se integra e se preenche com pedaços da narrativa. Como se a máquina de escrever, os passos, as acções dos actores também fizessem parte da orquestra que executa a música, e lhe marca o ritmo e a cadência. O casal Keira Knigtley/ James McAvoy é que não convence, nem por um momento. E é pena.

No Verão quente de 35, uma menina inglesa, já com uma veia ficcionista declarada, surpreende o que não tem idade para perceber (nem nunca terá), e engendra uma mentira, que, como um bater de asas de borboleta, despoleta as consequências mais trágicas no destino de outras duas personagens. Há-de «expiar» por isso.

Começa bem e acaba bem, é mesmo o meio a parte mais fracassada do filme de Joe Wright. Depois de ter conferido uma estética de teledisco piroso dos anos 80 ao mais celebrado romance de Jane Austen, em Orgulho e Preconceito - este outro filme terminava com também uma Keira Knitley a encontrar o seu noivo num prado de sol nascente, Expiação termina com o casal a brincar em câmara lenta à beira mar –, Wright parece perder alguns dos fios das várias meadas que se entrelaçam e tecem o romance homónimo de Ian McEwan. É muito bem conseguida a gestão pendular da narrativa, com flashbacks que retornam aos minutos anteriores e induzem o sobressalto de um falso erro de raccord. E o duplo final, a fazer irremediavelmente lembrar a espantosa adaptação que Harold Pinter fez do inadaptável romance de Fowles, A Amante do Tenente Francês (realizado por Karel Reisz), conseguindo passar para a tela a dualidade de tempos e de estilos, aparentemente inconciliáveis, como o vitorianismo e a pós-modernidade.

Pelo meio do filme, há a tal menina da mentira, que entretanto cresceu e perdeu metade da graça, que só recuperará em velhota, num mini-monólogo da actriz Vanessa Redgrave. E um impressionante – mas mesmo impressionante – plano sequência através do caos da pré-retirada britânica de Dunquerque, dos militares que se amontoam na praia, que cantam, que brigam, que se embriagam, que agonizam, que matam cavalos... A verdade é que esta aparatosa sequência pouco acrescenta à história, mas o inquestionável mérito: o de encher o olho. Até transbordar.

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