terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O futuro noutra dimensão

        Avatar, de James Cameron





Provavelmente, é o filme mais aguardado do ano, devido à sua desenvoltura técnica e é tido como o mais sério teste à tecnologia 3 D. Mas, apesar de tudo, trata-se de cinema, e deve ser apreciado como tal. Ou será que aqui deve entrar no domínio de alguma outra arte, talvez a pirotecnia. Não, Avatar é um filme, que se inscreve no domínio do entretenimento mais puro à americana, mas não deixa de ser um filme.

Para já há a novidade (ainda é novidade apesar das primeiras experiências 3D terem sido feitas nos anos 60): é a primeira vez que um grande nome de Hollywood, James Cameron (Titanic, Exterminador Implacável…), investe na tecnologia. Até agora, as cada vez mais recorrentes experiências do meio, têm sido feitas, essencialmente, no domínio da animação, terror e concerto-filmado. Avatar ficará na história, independentemente do seu interesse como objecto artístico, como a primeira grande aposta de Holywood no 3D. E a esse nível, para já, não temos grandes termos de comparação. É seguro, no entanto, que melhores filmes virão.

De momento, um objectivo está conseguido. Com o 3D o cinema recupera a sua dimensão de espectáculo único e irrepetível (sol de pouca dura?), que só pode ser plenamente usufruído numa sala própria para o efeito, afastando assim alguns fantasmas, como o levantado por Michelangelo Antonioni, que adivinhava a convergência de cinema e televisão para um único meio (com a diminuição dos ecrãs do primeiro e o aumento exponencial do segundo). O simples acto de colocar os óculos para ver um filme provoca uma expectativa emocional e uma predisposição para o deslumbramento. Há uma mudança na acção de ver um filme. Simultaneamente, o facto de ser novidade, pode criar algumas barreiras ao envolvimento, há um exibicionismo técnico que por vezes se sobrepõe ao chamamento narrativo, que faz com que, mais dificilmente, as pessoas se esqueçam que estão numa sala de cinema. Nesse sentido o 2D é mais realista. A referência que temos para alguns planos de Avatar são aquelas imagens hologrâmicas que se vendem de Nossa Senhor de Fátima ou de Jesus Cristo a abrir e fechar os olhos.

A tridimensionalidade de Avatar é desenvolvida de forma prodigiosa, embora pareça claro que a tecnologia, caso vingue, ainda tem muito que se apurar. Se não fosse este relevantíssimo pormenor de ser filmado em 3D, Avatar dificilmente teria o mesmo sucesso que outras obras de Cameron. Embora, nem por isso, seja um objecto desprezível. A verdade é que, enquanto cinema de ficção científica ou aventura, muitas outras obras, sem recorrer às três dimensões, conseguem provocar emoções mais fortes. Mesmo ao nível do cinema-montanha-russa. Qualquer filme do género de Steven Spielberg é superior a isto. Qualquer Indiana Jones, Senhor dos Anéis ou Parque Jurássico funciona melhor enquanto espectáculo de entretenimento.

Fora disso, Avatar é um filme com muitas debilidades, na sua obsessão por obedecer aos parâmetros mainstream. São frágeis os diálogos, sobretudo as deixas de Sam Worthington, que está sempre a mandar piadinhas à Bruce Willis, mas como metade da graça. A história é de uma previsibilidade enfadonha e uma moral belicista americana.

Em Planeta 51, um filme de animação espanhol-americano recentemente estreado, um astronauta aterra num planeta distante que, para seu espanto e susto, está habitado por criaturas em tudo iguais aos terráqueos, só que são verdes e vivem nos anos 60. Em Avatar passa-se algo de parecido, as criaturas alienígenas somos nós, entes de nos tornarmos no monstro de nós próprios. Aqui, a expressão Novo Mundo, usada pelos descobridores dos séculos XV e XVI para descrever as Américas, ganha expressão literal. O planeta Pandora é habitado por… índios. E o Homem, perante o desconhecido, prepara-se para cometer os meus erros: não aceita o outro e por isso destrói-o. Há uma mensagem ecológica, bastante actual, subjacente à narrativa. O Homem destrói tudo o que é belo. Pena é que as personagens, fardadas de estereótipos, raramente tenham duas dimensões, quanto mais três. Os próprios índios e animais alienígenas são pouco imaginativos no design. Mantém-se uma ideia westerniana de domar os cavalos e, a melhor solução, é a trança que os alienígenas possuem e serve de elo de ligação à natureza.

Depois de Avatar, outros filmes em 3D virão, mesmo sabendo que vozes autorizadas, como Francis Ford Coppola e David Cronenberg afirmem que o futuro não é por aqui. Mas, então, por onde será?

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