quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Rectângulo Amoroso

Pintar ou Fazer Amor, de Arnaud e Jean-Marie Larrieu



Pintar ou Fazer Amor de Arnaud e Jean-Marie Larrieu conta a história de um casal que recusa fazer do «enfim sós» um «sós em fim»


Pintar ou fazer amor, eis a questão hamletiana, mais sexual do que existencial, que o filme dos irmãos Larrieu não levanta. E esta ausência de questionamento, interior ou exterior, é o que há de mais surpreendente no filme. As personagens não hesitam entre fazer e não fazer. Pura e simplesmente fazem-no, sem hesitações, angústias, dúvidas, constrangimentos ou confrontações morais. Com a ligeireza de quem não tem nada a preconceber, porque como canta Sérgio Godinho, «nestas coisas do amor vamos sempre adolescendo».

E são bastante mais adolescentes os actos que os sujeitos. Um casamento de longo curso, um casal normal, citadinos que vão viver para um chalé no sopé dos Pirinéus, ambos cinquentões ou mais, recém-reformados, ela pinta paisagens para descontrair, ele joga golfe com os amigos. A filha adulta acaba de sair de casa. O tempo que lhes resta pela frente é todo ele livre. Demasiado livre? Ou nisto de liberdade o advérbio não se aplica? Certo é que se recusam fazer do «enfim sós» um «sós em fim». Até porque percebem que ficando sós podem mais facilmente não ficar sós.

E isto é muito mais do que um jogo de palavras – é antes uma forma mais ou menos desajeitada de pouco revelar de um filme que ganha muito mais quanto menos se disser dele. Diga-se só que Pintar ou Fazer Amor pouco esconde, nada oculta, tudo revela (menos as cenas de cama). Tudo aqui é o que parece, ninguém conspira, ninguém tem intenções dissimuladas, ninguém tem objectivos encobertos, ninguém quer dar o golpe. O seu (único?) encanto está justamente na reviravolta inesperada do argumento. No início, tudo nos conduz para um convencional filme sobre a fase outonal da vida de um casal, seus tédios e dramas e ocasos. E eis senão quando tudo se torna imprevisivelmente primaveril. E do habitual e cinematográfico triângulo amoroso se faz outra figura geométrica qualquer.

Em 2005, Pintar ou Fazer Amor chegou a ser apontado como candidato à Palma de Ouro em Cannes. Não ganhou e bem. A realização é elegante, a fotografia bonita, os actores são bons – o eterno Daniel Auteuil é uma espécie de Nicolau Breyner dos franceses. O rumo da história desvia-se com subtileza, quase sem darmos conta. Mas é a única coisa verdadeiramente subtil. Tudo o resto é repisado e pouquíssimo convincente. Primeiro há o homem cego que vê na escuridão – não se percebe qual a relevância de ele ser cego a não ser proporcionar ao filme a negritude de umas cenas à João César Monteiro. Depois há um incêndio sem outra explicação que não a extrema conveniência de argumento. E duas personagens que vão parar a umas ilhas tropicais, porque sim. Daniel Auteuil é um meteorologista aposentado mas apenas no trailer se desenvolve as potencialidades da simbologia atmosférica. Os irmãos Larrieu filmam com imenso pudor anti-voyeuristico as cenas de sexo mas não resistem ao nu frontal das duas mulheres jovens. E o casal tentador não oferece uma maçã como a bruxa da branca de neve, ou a serpente bíblica, mas chamam-se oportunamente Adam e Eva, neste regresso às origens das origens, onde o pecado original parece ainda não ter acontecido... E o paraíso continua até quando estes casais quiserem.

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