
“Ao longo da minha vida devo ter conhecido 300 mil pessoas. Acha que isso me faz sentir menos só?” Hoje esta estatística poderia valer para a contabilidade do Facebook, mas é uma das muitas máximas de Giulio Andreotti, um dos mais badalados políticos italianos do pós-guerra. Tempos conturbados, a altura em que, segundo uns dizem, a Itália tinha partidos e que as disputas politicas se travavam à lei da bala. À custa disto, voltando à contabilidade de Andreotti, só entre 1969 e 1984, contam-se 236 mortos e 817 feridos. Claro está, com a Máfia à mistura.
Giulio Andreotti apresenta-se como uma figura sinistra e imperturbável, que sobreviveu, exactamente por conseguir ficar sozinho entre 300 mil pessoas. Era de tal forma criptado (diz que chorou apenas três vezes na vida) que era mais fácil descodificar o seu estado de alma através da rotação dos polegares do que pela expressão na sua face. Animal politico, primeiro-ministro por vários mandatos, conta-se que era tão objectivo que, enquanto outros iam à igreja para falar com Deus, ele fazia-o para falar com o padre (“é que o padre também vota”).
A um público menos familiarizado com a complexíssima história recente de Itália, muitos pormenores escaparão. É por isso que o filme está cheia de legendas, explicações a até um glossário, que não incomodando, alertam-nos para a possível falta de inteligibilidade, tão complexa é a teia. Mas é fascinante observar a forma como Sorrentino captou um espírito de uma personagem aparentemente cinzenta e balofa, dotando-a dos mais frios dotes humorísticos. Mostra-se, sem dúvida, um realizador com personalidade, sobretudo através do trabalho de câmara. De início funciona muito bem, criando um clima de suspeição e suspense como se a câmara espiasse, procurasse ou anunciasse alguma coisa. Mais à frente este olho invisível (porque não é o olhar de nenhuma das personagens) assume um protagonismo inusitado através de percursos labirínticos em que a câmara chega a fazer ângulos próximos dos 360 graus, numa prática que lembra os jogos de computador 3D e cuja adequação ao tema é questionável. Mas é uma inteligente compensação da vida de Andreotti que, apesar da riqueza histórica, não será assim tão espectacular, nem próxima de rock dos The Veils, que integra a banda sonora. Il Divo é, acima de tudo, um filme de bons pormenores técnicos e estéticos.
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