segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A política não me mata


Il Divo, de Paolo Sorrentino






“Ao longo da minha vida devo ter conhecido 300 mil pessoas. Acha que isso me faz sentir menos só?” Hoje esta estatística poderia valer para a contabilidade do Facebook, mas é uma das muitas máximas de Giulio Andreotti, um dos mais badalados políticos italianos do pós-guerra. Tempos conturbados, a altura em que, segundo uns dizem, a Itália tinha partidos e que as disputas politicas se travavam à lei da bala. À custa disto, voltando à contabilidade de Andreotti, só entre 1969 e 1984, contam-se 236 mortos e 817 feridos. Claro está, com a Máfia à mistura.

Giulio Andreotti apresenta-se como uma figura sinistra e imperturbável, que sobreviveu, exactamente por conseguir ficar sozinho entre 300 mil pessoas. Era de tal forma criptado (diz que chorou apenas três vezes na vida) que era mais fácil descodificar o seu estado de alma através da rotação dos polegares do que pela expressão na sua face. Animal politico, primeiro-ministro por vários mandatos, conta-se que era tão objectivo que, enquanto outros iam à igreja para falar com Deus, ele fazia-o para falar com o padre (“é que o padre também vota”).

A um público menos familiarizado com a complexíssima história recente de Itália, muitos pormenores escaparão. É por isso que o filme está cheia de legendas, explicações a até um glossário, que não incomodando, alertam-nos para a possível falta de inteligibilidade, tão complexa é a teia. Mas é fascinante observar a forma como Sorrentino captou um espírito de uma personagem aparentemente cinzenta e balofa, dotando-a dos mais frios dotes humorísticos. Mostra-se, sem dúvida, um realizador com personalidade, sobretudo através do trabalho de câmara. De início funciona muito bem, criando um clima de suspeição e suspense como se a câmara espiasse, procurasse ou anunciasse alguma coisa. Mais à frente este olho invisível (porque não é o olhar de nenhuma das personagens) assume um protagonismo inusitado através de percursos labirínticos em que a câmara chega a fazer ângulos próximos dos 360 graus, numa prática que lembra os jogos de computador 3D e cuja adequação ao tema é questionável. Mas é uma inteligente compensação da vida de Andreotti que, apesar da riqueza histórica, não será assim tão espectacular, nem próxima de rock dos The Veils, que integra a banda sonora. Il Divo é, acima de tudo, um filme de bons pormenores técnicos e estéticos.

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