sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O que eles vêem (quando você não está a olhar)?

Afterschool, de António Campos




Gatinhos giros a tocar piano, o Sadam a ser enforcado, vídeos divertidos, um bebé a fazer coisas engraçadas, um atentado no Iraque, miúdas à pancada, quedas de skate em escadas, cenas de pornografia violenta... São estas as imagens em movimento que lhes passam diante dos olhos, no computador, quando nenhum adulto está a supervisionar. Este estranho e gélido objecto cinematográfico do novaiorquino António Campos entra dentro de um liceu de elite nos EUA, de uma forma como os filmes da treta americanos nunca costumam fazer. Aqui não há adolescentes que dizem gracinhas, nem meninas ao gritos, nem piadas tolas... Aliás, todo o filme tem uma luz bem gelada, com planos médios, impiedosos que cortam pedaços dos corpos quando os actores ficam desenquadrados.

O que fazem os adolescentes, esses seres bizarros e intermédios, quando os pais não estão a ver? Fazem isto. Zapping entre imagens inofensivamente reais e imagens brutalmente reais e nem pestanejam entre umas e outras. Tal como fazem zapping nas conversas da hora do almoço na cantina. Tanto podem ter a conversa mais sexualmente explícita como a seguir já estão a falar do sistema de acumulação de pontos da avaliação e das actividades extra-curriculares.

O filme foi apresentado há dois anos na edição do DocLisboa, na secção Riscos e Ensaios, entre uma programação que não só incluía os dois High School de Weiseman, como A Turma, de Laurent Cantet. Afterschool não tem nada de documentário – ou talvez tenha. Na forma absolutamente crua e distanciada como a câmara filma em seu redor- e quanto a isso o filme é notável.

Os adolescentes são esquisitos por definição, estes são meninos de colégio, aparentemente protegidos, acompanhados, cheios de enquadramento, mas, afinal, tão expostos como quaisquer outros dos liceus problemáticos. O filme parte da morte trágica de duas gémeas louras e muito populares (com um ar muito anúncio de shampô à Sophia Coppola). «Permaneçam vigilantes quanto aos perigos lá de fora», avisa-os o director da escola, depois de as gémeas terem aparecido mortas, envenenadas por substâncias tóxicas na cocaína. O professor, não por acaso chamado Weiseman, encomenda um «vídeo-memorial» a uma dupla de alunos, que estão a conhecer o mundo, enquanto se conhecem um ao outro.

Este lado weisemaniano está presente na paciência felina com que o realizador deixa as coisas acontecerem. Com tempo, com o incómodo do arrastamento, com a subtileza da história a desdobrar-se (ou a descamar-se) e a incomodar cada vez mais. Com a frieza cortante de bisturi de anatomista.

Este é mais ou menos o olhar de quem vê tudo através das lentes. A mesma neutralidade indiferentista da câmara de Campos. Que capta a morte e a emoção sempre de planos distantes, nunca aproximados, sem fazer o habitual campo e contra-campo.

É este o sexo, mentiras e vídeo do século XXI. Ao pé deste, o outro, o do irritante filme de Steven Soderbergh, dos anos 80, podia passar no Canal Panda.

Talvez seja isto que mais choca – tal como nos deixaram de chocar as imagens dos pequenos vídeos da Internet que parecem a fingir. Por isso, o professor fica abatido quando vê o vídeo de homenagem às gémeas feito pelo aluno, por não ter o enquadramento musical apropriado – uma partida que Campos nos prega maldosamente no genérico final.

1 comentário:

Tiago Ramos disse...

Depois de ter visto o trailer fiquei ansioso por ver este filme. Agora com a crítica, a expectativa aumentou...