quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Este homem não existe

W, de Oliver Stone


Melhor seria vê-lo num cartoon do South Park do que no biopic W de Stone



Invertamos a lógica da consolação. As boas notícias primeiro: o que quer que aí venha a seguir, no próximo dia 4 de Novembro, só pode ser melhor do que George W Bush, já considerado o pior presidente dos EUA de sempre. Agora as más notícias: as lesões mundiais de oito anos de enfermidades governativas não vão cicatrizar tão cedo. E pode haver metástases. Por isso, o que o triplamente oscarizado realizador Oliver Stone fez com o docudrama W (estreia-se hoje, dia 23), sobre a biografia do 43º presidente americano, não foi pôr o dedo na ferida. Isso sim, podia fazer doer, sangrar, infectar alguns ânimos. Stone limita-se a colocar um daqueles adesivos coloridos que as mães usam, mais para estancar lágrimas do que para proteger arranhões nos joelhos. O filme é quase uma comédia. A realidade é que é trágica. Por isso não perguntem, como Daniel Pennac, por quem os sinos dobram? Porque eles dobram por nós.

O filme começa quando Bush (magnífico retrato de Josh Brolin, mais pelos gestos, pela maneira de falar e pelas rugas na testa do que pelas parecenças físicas) está em vias de patentear a sua expressão de marca: «Eixo do mal». Ele e a sua ridícula entourage, partenairs de ilusionista, prontos a fazer «tchan, tchan» com as tiradas da cartola do Mister President. A secretária de estado Condoleezza Rice, com o seu ar de réptil penteadinho, nas suas maneiras insuportavelmente subalternas de «yes-woman», parece um Gollum sibilante: «yesssss, my preciousssss...». Desta fase em que o caldo no Iraque já está bem entornado, o filme segue em flash-back para os tempos de Yale, com um Bush jovem, encantado por estar a ser submetido a uma praxe grotesca. Conduz embriagado, mete-se em arruaças e depois telefona ao poppy (é assim que chama ao pai, o Bush I) para o livrar da cadeia. Engravida raparigas e seduz mulheres em bares com frases como «sinto-me feliz contigo como um coelho num campo de cenouras». O pai arranja-lhe empregos, mas ele não assenta, nem na loja de desporto, nem na plataforma petrolífera, nem no rancho, nem na firma de investimento: «Quem é que pensas que és, um Kennedy?». «Mas ele entrou em Harvard», interfere a mãe Bárbara. «Sim, mas quem é pensas que mexeu os cordelinhos?», pergunta o pai. Bush é este patetinha alegre, de chapéu à cowboy que mastiga hambúrgueres de boca aberta (como nem cavaco Silva conseguiu fazer com o bolo rei). Ele é um tonto de aldeia, dessa imensa província texana. Quer provar que, ao contrário das baixas expectativas paternas, ele consegue chegar longe – é esta a tese de Stone para explicar o que vai na infantilizada cabeça de Bush. Primeiro chegou a chefe de um clube de baseball, depois a governador do Texas, depois a presidente da América, reeleito. O 11 de Setembro, nas palavras dos assessores foi «uma oportunidade única para drenar o pântano» e para atacar os mauzões «que um dia quiseram matar o pai». Invade-se o Iraque, sem falar uma única vez de petróleo. Apenas de «democracia, liberdade, de eixo do mal e armas de destruição maciça». E Stone coloca na banda sonora o tema do Robin Wood. E também não se fala de tortura, mas de acto patriótico e de «técnicas de extrema persuasão», como privar do sono os prisioneiros e simular o afogamento – «Não se vão pôr a carpir com a convenção de Genebra, pois não?». Durante a guerra Bush deixou de comer doces – era o seu «sacrifício pessoal». Mas todo o séquito de Bush continua a saborear a tarte de pecan, quando o presidente fica entalado com a inexistência comprovada de armas de destruição maciça. O papá vai ficar desiludido. Deixa lá, diz-lhe Laura Bush. «Vamos ver a tua peça da Broodway preferida: Cats»

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