domingo, 31 de agosto de 2008

Ar condicionado

O Ar que Respiramos, de Jieho Lee




Dêem-lhe espaço, ele precisa de ar. É o que se costuma dizer nos filmes. E é exactamente isto que fazemos com O Ar Que Respiramos. Damos-lhe espaço, tempo, ar e... nada. Nem uma bolhinha de oxigénio. Daí a pouco já estamos mesmo convencidos de que os próximos 90 minutos vão ser passados em apneia total. Esta longa do estreante coreano americano Jieho Lee não é aconselhável a asmáticos: tem muitas expirações, falta-lhe inspiração. O que dá anidrido carbónico a mais para um filme só.

A atmosfera já estava à partida saturada de estrelas para garantir a distribuição: Forest Whitaker com Andy Garcia e Kevin Bacon.

A este Olimpo junta-se Brendan Fraser, que consegue manter o mesmo ar mumificado, de anteriores incursões em filmes como os dos faraós entrapados e ressuscitados. A personagem que encarna o capítulo chamado Pleasure não podia ser menos prazeiroso. É um gangster atormentado por flash-backs, que arrasta o seu enfado pelo filme, porque consegue prever o futuro, e depois, é claro, não goza as surpresas da vida.

Ainda há Sarah Michelle Gillar, com um ar não menos mumificado, e que costuma aparecer em filmes de adolescentes. Aqui faz de pop star, também muito atormentada, não se percebe muito bem porquê. Porque mudou de produtor (e o novo é um tipo que costuma cortar dedos aos que lhe devem dinheiro) – e esta parece razão mais que insuficiente. Como se não bastasse, os jornalistas só lhe fazem perguntas inconvenientes, os flash-backs também a perseguem e os fãs incomodam-na imenso a pedir autógrafos na rua, a meio da noite. Ah, ela tem uma amiga, de óculos e carrapito, do tipo contabilista, e nós não percebemos – nem ela – o que faz, afinal, neste filme.

Também aparece Emile Hirsch, que já vimos em O Lado Selvagem, de Sean Penn, e que aqui faz de sobrinho hiperactivo, completamente inútil para a história. E a francesa Julie Delpy (a mesma de Before Sunrise e Before Sunset), que é uma investigadora que quer curar a hemofilia com veneno de cascavel, e além disso tem um tipo de sangue raríssimo. O mesmo tipo de sangue da pop star, por coincidência. Ou não. Este é mais um dos pós-altmanianos filmes, com fragmentos de histórias que se encaixam como um puzzle, porque «isto anda tudo ligado». O problema é que o puzzle desmembra-se à menor corrente... de ar.

Uma borboleta, uma cobra venenosa, dois atropelamentos, um assalto a um banco, uma mala de dinheiro voadora, um dedo amputado, imensos efeitos fragmentados HD que alternam com a estética vídeo-clip, um aborto anunciado, uma tentativa de suicídio, um salvamento improvável num arranha-céus (a não ser que Kevin Bacon fosse o Buster Keaton), uma voz off cheia de pausas retóricas, e algumas cenas (involuntariamente) humorísticas... Todo este congestionamento embrulhado por um provérbio chinês e por frases como: «As cicatrizes são o mapa de estradas para a alma». O pior é a suspeita de que este filme se leva mesmo a sério. Resta-nos, enfim, recuperar... o direito a respirar.

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