quarta-feira, 9 de abril de 2008

Batem leve, levemente

Coeurs, de Alain Resnais



Será chuva, será gente... Gente é certamente. São vidas de gente, sete almas parisienses e solitárias que se encontram, mas não se tocam – apenas se tangenciam, assim ao leve, com a delicadeza da neve, que cai ao longo de todo o filme de Allan Resnais. E lhe confere esta espécie de fluidez translúcida. E de insustentável leveza...

A neve cai, sempre. Lá fora... e cá dentro. Finalmente, no dealbar do filme a neve é convidada a entrar para dentro dos interiores, para dentro de uma cozinha, onde estão dois personagens muito outonais, a caminhar para invernais. Cai neve na natureza e cai no meu coração.

Coeurs é baseado na peça inglesa Private Fears in Public Places, de Alan Ackynbourn. O lado teatral, sedutoramente não realístico, é mantido no filme de Resnais. Há planos picados inverosímeis sobre os espaços, há estúdios, há decores tratados como naturezas mortas, há artificialidades assumidas, há actuações não naturalistas, há quadros antigos, demasiado solenes, para os apartamentos em que pontificam: observadores e censuradores... Resnais não gosta de tentar fazer crer que é verdade o que se vê.

É uma história de coabitações, esta. Há um casal em falência que partilha um T0 e quer mudar de casa (quer dizer, ela quer, ele mais ou menos). Há dois irmãos que vivem juntos. E um filho barman que vive com o pai, um velhote intratável (de quem só se ouve a voz), que insulta e chama arenque às pessoas. E ainda uma beata, de ingénuo olhar arregalado, que às vezes habita umas anacrónicas cassetes VHS.

Um dos irmãos é agente imobiliário e procura casa para o casal desavindo. O barman escuta as mágoas de um antigo militar, que é o marido em crise. A senhora devota (mas nem tanto) trabalha na mesma agência imobiliária e entretém (no sentido mais abrangente) o velhote, pai do barman, enquanto o filho está no trabalho. Só falta uma irmã que põe uma flor na lapela à espera do seu blind-date. O que une toda esta gente? Uma imensa solidão, claro. Mas para além disto, a neve, branca e leve, branca e fria, há quanto tempo a não via, e que saudades, Deus meu... É uma espécie de fusão... a frio.

Alain Resnais tem este octagenário peso cinematográfico, mas este filme, Leão de Prata em Veneza, aclamadíssimo pela crítica, mas não é, de todo, um filme que faça descer o prato da balança.
As idades dos actores não coincidem com a das personagens – isto pode ser um fútil pormenor para um realizador como Alain Resnais, mas o anacronismo do casting arranha e constrange. Já sem falar na existência de uma cassete de VHS, que por mais conveniente que seja para o argumento, já só devia figurar num desses cemitérios de tecnologias abandonadas, há muito aposentadas.

Um realizador que deu provas geniais não fica, por isso, sujeito, à eterna maldição de ter de ser sempre... genial.
É um Coeur não palpitante. Um filme calmo e melancólico. Leve como o nevão parisiense, lamento contínuo a polvilhar estas sete vidas. Leve e benevolente. Que não chega a fazer gelar. É talvez a ventania. Como um sopro no coração.

1 comentário:

Sara M. disse...

a dado momento a neve a ligar os planos chateia.