quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A tigresa e o dragão

Sedução, Conspiração, de Ang Lee







Há filmes que depois de terminarem, depois de correrem as últimas letras dos créditos finais e a música acabar, o minuto seguinte ainda lhes pertence. Sedução, Conspiração, de Ang Lee (estreia-se hoje, dia 31) é um desses filmes. Acendem-se as luzes, e o espectador quase que se distrai, fica ainda ali sentado a dissecar as cenas passadas, a digerir o remate, a fazer um balanço interno. E a decidir, no fundo, se gostou ou não.
É que a ambivalência que povoa todo o filme, estende-se e solta-se para fora da tela. De um lado, a conspiração do decorativismo, do melodramatismo, do convencionalismo. Do outro, a sedução do domínio milimétrico das técnicas narrativas e cinematográficas deste que é o mais «ambivalente» dos realizadores de Hollywood, vindos de Taiwan. Depois do blockbuster Hulk, do oscarizado Segredo de Brokeback Mountain, do kung fu bailado O Tigre e o Dragão ou do austiniano Sensibilidade e Bom Senso, Ang Lee, alarga ainda mais a amplitude do seu «reportório» e realiza um filme de espionagem, passado na China pré-comunista, nos anos 40, durante a invasão japonesa. Sedução, Conspiração, a obra que perdeu Cannes e conquistou Veneza (Leão de Ouro) é baseado no livro homónimo de Eileen Chang (1920-1995), uma escritora de best-sellers, muito apreciada pelos leitores chineses, embora secundarizada no seu país, por não ter aderido à estética da revolução cultural e por, na verdade, as suas personagens não se interessarem nada por política nem pela luta de classes.

Jogo de espelhos
Tal como Hulk é baseado na personagem de BD da Marvel que às vezes é herói e noutras é vilão, ou como Brokeback Mountain é um filme de cowboys que até são sensíveis e gays, Sedução... também nos fala de duplo jogo. Wang Chia-chi, (a estreante Tang Wei) uma jovem estudante e actriz é iniciada numa peça patriótica. Daí a nada a companhia teatral passa a grupo operacional da resistência, e a rapariga terá de representar um papel – mas sem assistência nem aplausos. As consequências da má actuação são mais gravosas que apupos: a tortura e, na melhor das hipóteses, a morte. Torna-se espia e amante de uma eminente figura política, o odioso sr. Yee, torcionário e colaboracionista com os japoneses. Esta Mata-Hari oriental infiltra-se nos círculos de mahjong das senhora de sociedade de Hong Kong e Shangai, mas acaba por se tornar numa peça do seu próprio jogo. A ambivalência dentro da ambivalência. Os dados estão lançados, as peças de mahjong estalam contra a mesa, as regras baralham-se neste complicado tabuleiro sado-masoquita, entre o erotismo e o ódio, numas cenas de sexo quase explícito que não constam no livro. O Síndroma de Estocolmo é trazido à escala asiática, joga-se em cima de uma cama, adora-se aquele que se odeia... Ou talvez este seja um síndroma que parece atacar muitas das espias nos filmes. Como fingir tão bem que se ama aquele que se odeia sem se acabar por se amar um bocadinho? A determinação política de Wang é posta à prova na alcova dos amantes. E é este talvez o lado menos interessante do filme de Ang Lee, a de um determinismo fatalista e resignado. É nisto que o espectador talvez reflicta, depois do filme acabar, ainda esmagado por toda aquela competência sedutora de Ang Lee. Nem ideologias nem patriotismo nem missões podem competir com o amor – o que para moral da história se torna um pouco pobre. Sobretudo quando vem acompanhada por um diamante de seis quilates.

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