terça-feira, 7 de julho de 2009

A Cada Um o Seu Direito

Stories on Human Rights, Vários Realizadores






José Saramago haveria de gostar de ver este filme. Ele que há anos faz bandeira da Declaração Universal dos Direitos dos Homens, haveria mesmo de gostar de ver traduzidos os 30 artigos da sexagenária declaração através de imagens em movimento, som, cor e sentido. O Alto Comissariado para as Nações Unidas para os Direitos Humanos encomendou curtas a realizadores de todo o mundo, para comemorar os 60 anos da declaração. Os parâmetros temáticos da encomenda eram os mesmos definidos pela declaração: Desenvolvimento, Cultura, Dignidade e Justiça, Participação, não descriminação pelo Género e Meio Ambiente. Enfim, tudo aquilo a que temos direito.

Não mais – nem menos.

O resultado foi este mosaico maravilhoso de 22 curtas-metragens, que funcionam como um todo, à semelhança do recente A Cada Um o Seu Cinema, o filme-composto, que nasceu também a convite do festival de Cannes. Nesse tínhamos Oliveira, com a sua enigmática blague, que envolvia o papa e o Krutchov. Neste não há representação nacional. É o único senão.

Usando a técnica infalível daquilo que permanece retido na memória, das cenas e dos filmes que ficam presos nas malhas mais finas da rede, e se mantêm aí a retinir ecos e campainhas, pescamos em primeiro lugar uma curta em toda a sua dimensão – que vai muito além do pequeno formato, mas é a essência da sua definição: «ideia forte no tempo certo». Um grupo de meninos brinca à porta de uma vivenda. Na verdade só percebemos que é brincadeira uns momentos depois. Eles brincam aos tiros, aos polícias e aos ladrões, como todos os miúdos do mundo – apesar de estes não precisarem de arranjar guiões para as brincadeiras fora da realidade onde vivem: Palestina. A imagem dos miúdos que brinca é captada pelas câmaras de vídeo-vigilância. É a estratégia mais inventiva do mundo para crianças que não tem câmaras conseguirem fabricar um filme.
Depois há uma impressionante corrida ao lixo, como outrora se corria ao ouro, no velho oeste. Ou um bebé que não é adoptado, por uma burocrata anafada de luvas e prepotências. Um lar de idosos onde os velhos esperam de olhar pousado num tempo que já não é o deles, e de repente solta-se um toque de telemóvel, na bolsa de uma velhinha, a entoar a Internacional: «De pé ó vitimas da fome...». Um dejembé, batucado por um percussionista africano, que foi integralmente construído com plástico reciclado. Um jogo de futebol de meninas muçulmanas, que se libertam temporariamente dos lenços e soltam os cabelos e os preconceitos para irem jogar futebol para um pátio, longe dos olhares. Uma espécie de kibutz habitado por meninos orientais fardados de camuflados que brincam com armas e formam as mais terríficas composições: simulam fuzilamentos, deitam-se com metralhadoras – enquanto na banda sonora vai passando uma ingénua canção infantil. O moleque que desce na favela, e transporta com ele um objecto suspeito, que desperta olhares desconfiados no autocarro, e afinal não é um instrumento de matança, mas um clarinete- e nós sentimo-nos envergonhados do preconceito da suposição. Um surpreendente flirt impossível entre um skin e uma africana...

A cada um o seu direito - nem mais nem menos...

O filme poderá ser visto, hoje, terça-feira, pelas 23horas, na secção In Progress, nas Curtas Vila do Conde

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