quinta-feira, 1 de maio de 2008

Filme-sobremesa

My Blueberry Nights, de Wong Kar-Wai




Há uma letra de Carlos Tê (com música de Rui Veloso) que diz, qualquer coisa como, «não invoquem o amor em vão, não o sujem com clichés». É um bocado o «em vão» que compromete o novo filme de Wong Kar-Wai. Dá ideia de que todo ele é um exercício de puro virtuosismo, com magníficos enquadramentos, uma fotografia deslumbrante, tudo tão cheio de música e transparências, reflexos laranja e slow motions encantadores. Mas depois nada convence, nem a história, nem as personagens, nem a metáfora simplista das chaves de amores interrompidos guardadas num frasco, muito menos aquele deslavado romance entre a estreante Norah Jones e o muito rodado Jude Law. Pela primeira vez a fazer um filme integralmente em língua inglesa e só com actores americanos, o realizador de Hong Kong pica o ponto pelos lugares da América, das lanchonetes nova-iorquinas, aos casinos de Las Vegas, atravessando a mítica route 66. Até aí tudo bem, Wong Kar-Wai pertence àquela categoria de realizadores a quem é permitido aventurar-se pelas terras batidas de tão pisadas pelo cinema americano (aliás, a música de Ry Cooder remete assumidamente para Paris Texas). Quem sabe até onde estes caminhos retrilhados por outros passos orientais nos poderiam levar... Mas tal como a protagonista do filme, que vai dar uma grande volta para regressar ao ponto exacto de onde partiu, a sensação que nos fica é que o realizador andou, andou sem sair do mesmo local. Chega a ser quase misteriosa, esta impressão de vacuidade que nos acompanha uns minutos depois do filme acabar. Desvanece-se. Vai-se. Como aqueles perfumes que se evaporam da pele, e, pouco tempo depois, não resta nem uma memória de fragrância.

Norah Jones é uma nova-iorquina com um desgosto de amor. Que precisa de fazer a sua própria peregrinação interior, para se reencontrar com o amor, outra vez, e que está mesmo ali ao lado, entre duas garfadas de blueberry pie. Jude Law, é o dono do bar que lhe dá a provar esta tarte de mirtilo, desprezada pelos restantes clientes. Ela há-de reincidir nesta tentação comestível (calórica metáfora), mas antes vai cruzar-se, numa odisseia pelos clichés americanos, com uma mulher castigadora que desiste do marido, polícia e bêbado (Rachel Weisz) e com uma jogadora compulsiva que tem uma relação não resolvida com o pai (Natalie Portman). Interessante é Wong Kar-Wai ter escolhido três americanas morenas de olhos castanhos (exemplarmente filmadas), mas acaba por expor demasiado a cantora e compositora Norah Jones à sua própria e mais que notória inexperiência. É uma protagonista quase insignificante, sem espessura, com elducorantes, aspartamo e uma fonte de fenilalanina. E isso sente-se num realizador com gosto requintado. Falta qualquer coisa a esta tarte. Açúcar a sério. Ou talvez sal.

Sem comentários: