segunda-feira, 26 de março de 2007

23 avos de graça

Número 23, de Joel Schumacher


Número 23 até é interessante (ou tolerável) nos primeiros... 23 minutos (com o genérico – um dos melhores momentos do filme – incluído).


Se não podes convencê-los, confunde-os. E esta máxima é válida para políticos e para guionistas. Ou na perspectiva oposta, para eleitores ou espectadores. A lógica é baralhar e, com alguma sorte, não ter de tornar a dar. Argúcias de argumentistas manhosos... A história não convence? As articulações estão mal lubrificadas? As costuras estão à vista? As peças não encaixam? Então, lançam-se uns efeitos estilísticos de encher (ou cegar) o olho do espectador e... pode ser que passe. É mais ou menos isto que acontece em Número 23.

Ir ver um filme com Jim Carrey deixou de ser uma decisão de alto risco, depois de Truman Show ou do Despertar da Mente. O mesmo não se diga do realizador Joel Schumacher (Batman & Robin e O Fantasma da Ópera): aqui é sempre um salto de trapezista, sem ter a certeza de que a rede lá em baixo estará montada. E o mais provável é não estar.

Jim Carrey é um simplório caçador de cães vadios, que um dia, vai atrás de um boxer branco escondido num pátio de um restaurante chinês, é mordido, e por causa disso chega atrasado a um encontro com a mulher (que tem ar de tudo menos de estar casada com um funcionário sanitário). Para entreter o tempo, a mulher entra numa livraria e compra-lhe um livro de capa vermelha chamado 23. O que é que o cão tem a ver com a história é o mistério mais insolúvel do argumento, mas adiante. A partir daí, este caçador de cães entra numa odisseia rumo à paranóia, acha que o livro está a imitar a sua vida e a obsessão pelo número 23 começa a consumi-lo. Vê 23 por todo o lado. Ele nasceu no dia 2 do Março (2 do 3), às 11 horas e 12 minutos (11+12= 23), conheceu a mulher a 14 de Setembro (14 + 9 = 23), o seu número de segurança social começa por 23, William Shakespeare nasceu no dia 23 de Abril, os atentados de Oklahoma foram a 19 de Abril (19+4 = 23), Charles Manson foi julgado na mesma data, a bomba de Hiroshima foi lançada às 8 e 15 (8+15= 23), há 23 axiomas na geometria de Euclides, o corpo humano é composto por 46 cromossomas (23 de cada progenitor). E daí? Daí que 2 a dividir por 3 dá 0,666, o número da besta, pois. Até aqui tudo bem, encontra-se o espectador demasiado entretido com a aritmética, ainda com um grau de tolerância bastante elevado em relação às precariedades do guião (do estreante Fernley Phillips) . Mas não se ganhará pela demora.

Tudo descamba quando, a dada altura, o filme guina para dentro do livro, ao encontro de um alter-ego do caçador de cães, um detective sombrio, muito ao jeito de um pastiche de um pastiche de filme negro. Torna-se um psico-thriller entediante, em que Jim Carrey não traz alguma mais-valia. A tensão não faz estremecer uma «anémona impressionável». E depois? E depois sucedem-se os efeitos estilísticos muito televisivos, um estilo gótico já batido, as técnicas de suspense inábil do costume, com portas que rangem e outros clichés. A tolerância do espectador rasa o nível zero. A teoria da conspiração dos números torna-se teoria da suspiração...

Digamos que Número 23 até é interessante (ou tolerável) nos primeiros... 23 minutos (com o genérico – um dos melhores momentos do filme – incluído). Resumindo, é «um-filme-um-bocado-pró-tonto». A definição tem exactamente 23 letras – não será seguramente por acaso...

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