segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Um filme escrito na água

Estrela Cintilante, de Jane Campion







E por estar escrito na água, como o epitáfio do túmulo do poeta John Keats, em Roma, o filme de Jane Campion quase que se desvanece na memória. Ficam apenas cintilações, algumas cenas suaves, o brilhos de algumas palavras, o drapejar das asas de borboletas encurraladas num quarto até amolecerem, deslavadas, e se debaterem, sem crença, no chão como frutos ressequidos. A filmografia de Jane Campion vive mais de cenas e de ambientes do que de todos e inteiriços. São cenas como estas das borboletas encurraladas pela menina do século XIX apaixonada pelo poeta John Keats, que esvoaçam pelo quarto e que num primeiro momento ressoa a algo festivo e jubilante como na poesia, e no segundo, já com as borboletas espasmódicas pelo chão, a serem removidas por uma vassoura. É a metáfora do amor inocente. Tudo é vibrante, e cor e alegria. Mas de nada serve capturá-lo e trazê-lo para dentro de casa. Porque rapidamente se torna decomposição.

Estrela Cintilante apanha a curta biografia do poeta, ícone do romantismo anglosaxónico, quando ainda não era glorificado pela crítica nem pelos leitores. Além de poeta romântico, Keats encaixa como punhos de renda na pele de herói romântico. E Campion tira partido disto: ele é débil, olheirento, reservado, entediado. E apaixona-se pela vizinha do lado, uma menina novecentista, muito mais sociável, party-goer, que se interessa muito mais pelo drapeado de um vestido do que pelo rendilhado de um verso ou a bordadura de uma metáfora.

É outro dos bons momentos do filme, talvez dos mais carnais que existem no casto e imaterial amor entre estes dois seres: a cena em que ela se dedica à costura e espeta, em plano aproximado, convictamente a agulha no pano para voltar a sair do outro lado.

No fundo a história resume-se a isto. John Keats apaixona-se lentamente pela vizinha do lado, apesar desta ser fútil e não perceber nada de poesia. Keats ainda tem tempo de escrever uns poemas para a posteriadade, pois há-de morrer três anos depois, turberculoso, como era costume na época, com apenas 25 anos.

Apesar de tudo, este amor tem a suavidade de um arrebatamente, se é que os dois conceitos podem ser aliados. È talvez este o ponto mais interessa desta curta e inócua história de amor, a improvável aliança entre a futilidade esvoaçante de borboleta e o peso plúmbeo e fatais dos versos de Keats. De resto, neste filme irregular, é como a famosa frase do poeta: «Se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore é melhor que não surja mesmo».

1 comentário:

Tiago Ramos disse...

Bright Star – Estrela Cintilante ficou na promessa daquilo que poderia ser e não se tornou. É pena porque, no final, ficamos com a sensação que poderíamos ter gostado e sentido muito mais esta história. Dá vontade de rever de novo, à espera de sentir algo de novo.

3/5