domingo, 24 de fevereiro de 2008

A lenda dos cavalheiros sem cabeça

Sweeney Todd, de Tim Burton




Tez pálida, olheiras, carradas de eyeliner, cabelos desgrenhados, luvas sem dedos, roupas encardidos, esgotos, ratazanas, percevejos esmagados e hectolitros de sangue – bem-vindos ao mais uma vez fantástico mundo de Tim Burton! Não vale a pena adjectivar. Nem gótico, nem negro, nem estranho, nem lunar, nem sombrio, nem macabro, nem sinistro, nem tenebroso, nem depressivo, nem obscuro, nem dickensiano. Sweeney Todd, O Terrível Barbeiro de Fleet Street, é mais um filme tipicamente burtiniano. Só que desta vez, este «mais um» traz mesmo «um mais»: Johnny Depp e Helena Bonham Carter, mulher do realizador na vida real, cantam, neste musical adaptado do hit da Broadway dos anos 70.

É o sexto filme em que Burton e Depp trabalham juntos, este em que a sombrio Londres vitoriana e a cara cinzenta-azulada dos protagonistas contrasta com o vermelho do sangue que jorra das gargantas e que deve ter vindo para as filmagens em camiões cisterna.

Depp é um barbeiro vingativo que regressa a casa após 15 anos de encarceramento injusto, de volta à sua penumbrenta barbearia, com os utensílios cobertos de pó e teias de aranha, cinzentas as cobertas, desagregada a boneca no berço da filha. Tal como Tarzan regressa uma vez à casa dos pais e encontra tudo, debaixo das camadas da poeira dos anos. O barbeiro ávido de vingança reencontra as navalhas, e «o seu braço fica completo de novo». Há-de aviar barbas e jugulares, na sua muito radical especialidade de corte, enquanto a cozinheira das piores tartes de Londres, arranja a mais eficiente forma de reciclagem dos restos mortais das vítimas de Sweeney Todd.

Por mais que a estética conte sempre mais do que qualquer ética e o invólucro mais do que tudo, Sweeney Todd é um dos mais injustamente esquecidos da categoria de Melhor Filme nestes Óscares 2008. Sweeney Todd é um filme perfeito, que desliza sem sobressaltos nem atritos, como o arrepio de um bisturi e de uma lâmina de barbear em pele bem ensaboada. Tão perfeito como as gargantas escanhoadas dos clientes do mais eficiente barbeiro de Londres.

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