domingo, 11 de outubro de 2009

Mau Tempo no Canal

Welcome, de Philippe Lioret




Há um jovem que tenta passar um fronteira a nado – e corre risco de vida por isso.
Há um cidadão que procura dar-lhe abrigo e comida – e corre sérios riscos com a justiça por isso.

A premissa do filme de Phillippe Lioret poderia passar-se nos anos 40 na França ocupada – quando os franceses que escondiam judeus nas suas próprias casas eram apanhados...

Poderia passar-se no Portugal fascista – quando alguém que auxiliava um clandestino comunista podia meter-se em graves problemas...

Podia passar-se em Cuba – quando os balseros tentam escapar da ilha, em embarcações precárias, através de águas cheias de tubarões.

Podia passar-se na fronteira do México com os EUA...

Na verdade, não se passa - nem em territórios remotos, nem em tempos recuados. Passa-se na França de Sarkozy, no Porto de Calais, onde todos os anos desembocam milhares e milhares de emigrantes ilegais magrebinos, que querem passar o Canal da Mancha para chegar a Inglaterra.

E para ali ficam, retidos em Callais, à espera de serem recambiados, em campos de refugiados, ou a deambular pelas ruas gélidas sem um euro no bolso. A viver da boa vontade das ONGs, na quai de la soup, e à mercê de extorsões dos oportunistas e das perseguições policiais. Com o El Dorado ali tão perto, avistável, a poucos quilómetros da costa. Para alguns, o desespero é tal que chegam a tentar atravessar a nado o Canal da Mancha.

O filme segue o percurso de um jovem curdo de 17 anos, que se junta um grupo de iraquianos que espera chegar a Inglaterra escondidos num camião TIR. Para escaparem aos detectores de Dióxido de Carbono das autoridades das fronteiras, os clandestinos têm de quase sufocar, enfiando um saco de plástico pela cabeça. Bilal não aguenta, entra em pânico, retira o saco, e respira... Ele e os seus companheiros de desventuras são apanhados e começa aí a suspensão dos seus percursos, a deambular pela cidade de Callais. E a indiferença dos locais é quase o melhor que podem almejar. Escorraçados dos supermercados, olhados com hostilidade, os emigrantes são seres indesejados. Aliás, é punido com pena de prisão aquele que lhes dê abrigo nas suas casas.

A esquerda francesa, que usou este filme como bandeira, tentou fazer passar no parlamento uma lei que apenas punisse aqueles que ajudam os emigrantes, ganhando dinheiro com isso. A lei não passou. E a 200 quilómetros de Paris, continua a acumular-se esta vaga humana, excedentária e supérflua.

Bilal, o jovem curdo refugiado, depois de passar as piores torturas para chegar até França, não se deixa esmorecer pela fronteira de água. Vai aprender a nadar para a piscina municipal e todo o filme passa a ter um registo mais intimista, quando se cruzam duas personalidades distintas e duas histórias de amor. O rapaz idealista que percorre quilómetros e persegue o amor da sua vida. Um instrutor de natação, amargo e indiferente, que não é capaz de perseguir o amor da sua vida, nem que seja atravessando a rua.

A sequência de uma cabeça humana que imerge entre as ondas, no mar cinzento e encrespado da Mancha, deixa-nos, outra vez, em estado de falta de ar. Tal como dentro do camião TIR, ao ver todos aqueles homens de respiração suspensa. Com um saco de plástico enfiado na cabeça. A ver se os restantes humanos não dão por que eles também estão vivos. Irrespirável...

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