quinta-feira, 14 de junho de 2007

Preciso de Espaço para ser feliz

O Astronauta, de Michael Polish e Mark Polish

O Astronauta faz parte daquele género cinematográfico, muito ao estilo imaginário do american dream. O homem que quer superar limites, seja no basebol ou na construção do carro mais veloz.

Quatro, três, dois, um, ZERO... É um pássaro? É um avião? Não, é só mais um filme, muito americano, muito family movie, a cruzar o nosso espaço aéreo. O Astronauta dos irmãos gémeos Michael e Mark Polish conta a história de Farmer (Billy Bob Thornton), um fazendeiro do Texas que resolve construir um foguetão lunar no seu quintal. E o homem sonha, a obra nasce... e levanta voo. Porque o sonho comanda a vida e sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança. E o céu não tem de ser o limite. E um pretenso grande salto para a humanidade pode redundar em passo de paralítico para indústria cinematográfica. E podíamos continuar por aí fora a parafrasear, porque de clichés, citações e boas intenções está o inferno cheio. E este filme também.

E vai daí, Farmer, um ex-astronauta da NASA, que desistiu da carreira para acudir ao seu rancho texano, teima em não abandonar a missão espacial. Ele tem um sonho, pois claro. E não abre mão dele, então. Constrói a sua aeronave caseira no celeiro e nomeia o filho de 15 anos, Shepard (como Allan Shepard, o primeiro americano no espaço) o seu controlador em terra. Hipoteca o rancho, gasta o orçamento familiar até ao último centavo, encomenda combustível de alta potência, retira as crianças da escola para as recrutar para o «projecto espacial Farmer», atira um tijolo à janela do banco quando lhe congelam o crédito, põe em risco a cidade, desrespeita as autoridades que o tenta fazer descer à terra mas... mas apesar do seu ar lunático (literalmente apropriado ao tema), Billy Bob Thornton está aqui investido num dos seus raros papéis de bonzinho. Como diria a fadista, ele precisa de espaço para ser feliz. Portanto, é deixá-lo.

Este astronauta é um cowboy do espaço, um americano intranquilo, um homem que subia demais. Quer ir à lua só porque sim, só porque pode (julga ele). Mas nada na personagem transporta o encanto do velhote de Linch que atravessa a América montado no seu cortador de relva, em Straight Story. O Astronauta faz parte daquele género cinematográfico, muito ao estilo imaginário do american dream. O homem que quer superar limites, seja no basebol ou na construção do carro mais veloz. Este nunca leu Camões, mas há-de ir mais do que promete a força humana, muito além da Taprobana. Mas para isso, nós espectadores, teremos de atravessar todas as etapas narrativas do costume: a fase do empolgamento inicial, a do desalento, a da quase desistência, a da renovação da esperança e a do inevitável final feliz.

Os irmãos Polish não resistem à filosofia barata, e à mais insuportavelmente sentimental. E o filme segue, na rota previsível, como um foguetão em piloto automático. Basta carregar na ignição.

Porque quem não tem sonhos não tem nada (é o slogan do filme). Os vizinhos condescendem, a comunidade mediática aplaude, claro, a livre iniciativa privada e o sonho americano. E os maus, o FBI, a CIA, o FAA, e os descrentes em geral (há dois agentes que mais parecem caricaturas Men in Black), ficam a ver foguetões. A mulher (Virgina Madsen, que também já foi mulher de Jim Carrey, em 23) ainda faz uma pequena cena. Agastada com o descalabro financeiro e com o circo mediático que se lhe aterrou à porta de casa, agarra nas miúdas (as primas Polish, filhas dos gémeos realizador e argumentista), mete-as no carro e leva-as... à missa. Depois passa-lhe, ela é uma esposa dedicada e infinitamente paciente. E não se importa nada que toda a família rode na órbita dos sonhos lunáticos do pai. Ele pode ir à Lua e voltar, que ela cá o esperará para jantar. Pelo menos, diz um sogro também muito compreensivo, «ele põe toda a família a sonhar em conjunto».

Claro que O Austronauta não é um mero filme popcorn, nem uma remastigação comercial, do tipo Ocean 13. Há uma aproximação metafórica aos tempos paranóicos do pós-11 de Setembro e ao Patriotic Act. Quando Farmer é interrogado, perguntam-lhe como é que podem ter a garantia de que ele não está a construir uma arma de destruição maciça. Ele responde: «Because if I was build a weapon of mass destruction, you wouldn´t be able to find it». É a punch line (a única) do filme. E no início até se mantém um certo grau de ambivalência interessante. Há duas aparições de Jay Leno, no seu Daily Show, que dão um toque de veracidade ao argumento. Afinal quem é que está louco? É ele, ou somos nós?... Depois, «Alô Terra», só nos resta uma aterragem forçada numa missão que tem muito mais de familiar do que de espacial, com uma órbita muito mais doméstica do que sideral. Um objecto voador bem identificado: estas histórias de famílias felizes e perfeitas como as dos anúncios publicitários, em que a união conjugal ampara todas as quedas, as crianças nunca fazem birras e os adolescentes são sempre muito colaborantes com as iniciativas paternas. Assim tudo pode correr bem. Mesmo a bordo de um foguetão fabricado entre as vacas e as maçarocas do celeiro.

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