domingo, 21 de junho de 2009

O miúdo, o filho e o rapaz


Histórias de Caçadeira, de Jeff Nichols






O novo cinema americano está bem de saúde e recomenda-se. É mais do que promissora a geração que se sucede a Hal Hartley e Jim Jarmush. Quem acompanhou o Indie Lisboa 2009, apercebeu-se disso quer no premiado Ballast, de Lance Hammer, quer em outras obras apresentadas, como o excepcional Wendy and Lucy, de Kelly Reichardt. Ambos histórias da América rural, de um país em crise, incapaz de esconder os seus alçapões, as misérias, as flagrantes assimetrias sociais, que contradizem um discurso pela liberdade e os dados que apontam os EUA como um dos países mais ricos do mundo e, sem dúvida, o mais poderoso. Estas contradições acentuam-se na chamada América profunda, cenário comum a Ballast, Wendy and Lucy e Histórias de Caçadeira, que acabou de se estrear em sala.
Histórias de Caçadeira, a primeira longa-metragem de Jeff Nichols (30 anos), não é tão vincadamente político como os anteriores. Mas ainda assim há um contexto a que o filme não escapa, pelo contrário, evidencia e utiliza primorosamente. Conta a história de três irmãos que foram criados «como cães». Mas que nem a cão chegam, porque o cão lá de casa ao menos tem um nome (Henry), enquanto a eles não foi concedido tal privilégio: chamam-se Filho, Miúdo e Rapaz. Alguém falou em casa? A casa existe, mas é do mais velho (Son), os outros acomodam-se por lá quando a mulher está por fora e, no resto do tempo, o rapaz dorme numa carripana, enquanto o miúdo acampa num jardim. Ambos não têm dinheiro para a renda, apesar de não estarem desempregados. Pelo meio ainda há uma personagem que passa a dormir no carro, porque a casa ardeu.
Do outro lado, há uma família com mais sorte: a segunda família do pai, pela qual ele os trocou de forma drástica. Uma família funcional, com tectos de betão e uma quinta para cultivar. Mas a assimetria social que lhe é favorável de nada lhes vale, nesta história de ódios profundos.
Há duas forças antagónicas, campos radicalmente opostos, que se digladiam por qualquer acha que faça a panela fervilhar. Numa história de rivalidades, tão típica das Américas, aqui justificada por acontecimentos familiares recentes. E não há nada que faça parar esta espiral de violência até às consequências mais penosas, que ganham força no contexto realista do filme.
Hal Hartley vem a propósito, por uma certa forma de construção dos diálogos, a qualidade da banda sonora e o estilo de montagem. O próprio jogo de personagens porventura se inspira no modelo do realizador americano. O filme é ajudado pela excelente interpretação de Michael Shannon, que foi nomeado para melhor actor secundário por Revolutionary Road. Tem a contenção certa e não precisa de grandes esforços para ser expressivo. Histórias de Calçadeira é o retrato de uma América que foi terra de colonos, aventureiros e foragidos, que cultivaram ódio em vez de batatas e encontraram na propriedade um álibi moral. Uma América moribunda, mas que ainda mexe.

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