quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Porno vintage e em coro

Imago X, reportagem no Fundão, naquele tempo é que era...

O Coro Misto da Beira Interior musicando, ao vivo, pornografia vintage, dos anos 20 e 30. A coisa por si só promete. O resultado foi acima das expectativas. Um dos melhores filmes-concerto da história do Imago, aperitivo ideal para uma semana de luxúria cinematográfica, na X edição do festival de cinema jovem do Fundão, que terminou no passado dia 5. Quem está avisado, já sabe que o que faz o Coro Misto da Beira Interior não é propriamente o que se espera de um Coro Misto da Beira Interior. É dos grupos vocais mais ousados que tenho conhecimento em Portugal. Sob a batuta do maestro Luís Cipriano, o coro faz uma incursão muito original, sofisticada e inovadora pela música contemporânea, adaptando-se funcionalmente aos filmes que assistem. Assim acontece há anos, quando nos dão as boas vindas ao Imago.

Mas este ano era especial. O festival comemorava o 10.º aniversário, num programa X, e os organizadores até recearam que o prezado maestro recusasse desafio tão pouco convencional. Enganaram-se bem. O que Luís Cipriano fez foi excluir os menores de 16 – «por causa daquelas organizações de pessoas que não sabem tomar conta dos seus filhos e por isso se preocupam com os filhos dos outros» – e dar som àquelas imagens caladas. Faça-se aqui uma nota de espanto: já sabia que o sexo existe desde que existe o homem, mas não imaginava que nos anos 20 se filmasse pornografia tão explicitamente pornográfica (nestas Naughty Oldies não há sombra para erotismo). A coisa era hard e o coro deu-lhe música. Todos estes filmes são anónimos e circulavam clandestinamente por salas recônditas, ainda o cinema era uma criança.

Obra maior é a animação Burried Treasure, de 1929, soberbamente musicada. Aliás, foi antes desta começar que o maestro interpelou o público: «Estão aqui alguns políticos e ainda bem porque isto é curricular. Se alguma vez perguntarem se fizeram alguma coisa pela cultura, sempre podem responder: ‘Cantei num filme tralha’». Posto isto, pediu a ajuda do público, num coro que consistia em repetir a palavra «fuck» e em gemer. «Não tenham vergonha, é coisa que toda a gente já fez, nem que seja para fazer inveja ao vizinho de cima». Com óptimos resultados, diga-se. Miguel Ángel Barroso, crítico de cinema espanhol curador do programa, estava extasiado. Nunca tinha visto nada assim.

Noutros tempos, um programa assim seria o suficiente para ganhar ou perder eleições, ou criar um motim popular. Mas hoje em dia já não é assim tão fácil chocar as pessoas. As pessoas são à prova de choque e demasiadas sentadas para se mexerem. Mesmo no Fundão tendencialmente conservador. Além disso, por ali a câmara não sai das mãos do PSD nem que a burra tussa ou as cerejas amareleçam.

Curiosamente, a maior hostilidade veio de grandes jornais nacionais, que se recusaram a publicar o anúncio, por considerarem obsceno. E talvez até fosse. O velhinho Jornal do Fundão, antigo bastião da imprensa livre, quis publicá-lo, mas a organização do festival acabou por enviar uma alternativa. Ficou assim tudo satisfeito.

Miguel Ángel construiu uma programação variada, entre clássicos da pornografia, como Garganta Funda, raridades, como uma obra de Jean Genet, e filmes meramente eróticos, como Bilbao, de Bigas Luna. O festival esteve em grande. Mas não só de sexo se falou. A programação foi vasta, incluiu um óptimo programa musical, além da habitual secção competitiva. A qualidade dos filmes apresentados é elevada, lamentando-se apenas que não se incluam mais portugueses. De resto, nunca foi tão excitante falar de cinema.


1 comentário:

Ladislau disse...

É o que se chama um 'Hard Coro'